SÍRIA ou uma catastrófica encruzilhada no Médio Oriente …


A Síria enquanto Estado soberano, com território definido e governo nacional, deixou de existir. Esta é mais uma consequência das ‘primaveras árabes’.

No momento, depois de uma guerra sangrenta movida pelas (variadas) oposições ao Governo de Bashar al Assad e do seu clã alauíta, a ocupação de largas faixas territoriais ligadas direta ou indiretamente à Al Qaeda ou ao Daesh, a par das ostensivas intervenções estrangeiras, nomeadamente os EUA, a Rússia e a Turquia fazem que pouco ou nada reste de um País que existiu no Médio Oriente, até há meia dúzia de anos, e foi uma plataforma dos equilíbrios regionais.
No meio desta confusão, mas com uma agenda política específica, está o povo curdo que com o suporte técnico-militar dos EUA deu o corpo ao manifesto na luta contra o Daesh.

Existem ainda outros atores neste teatro de guerra que começou por ser uma guerra civil para se transformar num foco de instabilidade regional e internacional. O envolvimento da região na guerra civil síria foi, e é, intenso e abrangente.

Desde as fações sírias internas (islamitas ou não), ao Irão e ao Hezbollah, a Israel, à Turquia, à Jordânia, ao Líbano, Arábia Saudita e países do Golfo, ao Qatar, passando pelas potências mundiais (EUA e Rússia), todos estiveram (e estão) a meter a colherada nesta trágica questão (ver esquema).

Um dos grandes atores locais é o Irão que considera o conflito sírio uma oportunidade e um palco estratégico para a disputa de uma hegemonia regional. Ao lado, Israel que nos últimos tempos tem desenvolvido uma escalada bélica e é um parceiro do Irão na luta pela hegemonia regional, sempre debaixo de justificações ‘securitárias’ para esconder pretensões expansionistas.

Já num outro campo, isto é, numa atitude estratégica global (muito para além das querelas regionais) os EUA continuam a desenvolver na região uma política dúbia e contraditória que se encaixa nas pretensões estratégicas israelitas e de confronto com o Irão (que assumiu novo ímpeto na administração Trump), imiscuindo na Síria o conflito religioso entre sunitas e xiitas (um tributo da aliança com a Arábia Saudita) e tentando salvaguardar todos os interesses energéticos e comerciais inerentes a uma 'postura imperial'.

A Rússia é um dos atores principais nesta guerra. Em 2015 decidiu apoiar militar e politicamente Bashar Al Assad e salvá-lo do cerco que foi montado pelos EUA tendo como pretexto posições distintas: uma nacionalista de contorno variegado e de fachada aparentemente democrática (subsidiária das ‘primaveras árabes’) e outra islâmica também heterogénea (desde os ditos ‘moderados’ aos ‘fundamentalistas’).
Na realidade, a Rússia defende na Síria os interesses de potência mundial que não pode desinteressar-se ou desistir do Médio Oriente quanto mais não seja porque é um dos eixos da política energética delineada por Moscovo e marcar uma presença militar no Mediterrâneo Oriental não deixando transformar este rincão do 'Mare Nostrum' num 'Mare Americanum'.

Por arrasto surge – mais uma vez – o problema curdo. Ocupando a parte norte do território sírio e estendendo-se para a Turquia as populações curdas deram o corpo ao manifesto no combate ao Daesh. Ultrapassada esta etapa (ganha?), de braço dado com os EUA (uma parceria tática), estão a braços com novas arrochadas turcas sob o comando do novo califa Erdogan.
É de supor que para granjear o empenhamento na ‘luta antiterrorista’ lhe tenha sido prometida a criação de uma nação curda (uma aspiração milenar). Alguém (não é difícil saber quem) estará, sob o manto de interesses geoestratégicos globais, a roer a corda.
Distribuir áreas de influência nesta zona (já não existirá a Síria) será um quebra-cabeças pela quantidade de interesses em confronto e pelas contradições inerentes. Até aqui a permanência de Bashar al Assad no poder tem criado a ilusão de integridade territorial. Mas é uma situação que se está a esgotar e como é (pre)visível a Rússia dificilmente suportará o regime de Bagdad por muito mais tempo. Difícil é definir a evolução da situação a médio prazo e prever como será feita uma nova configuração política e territorial para o Médio Oriente.

O que está instalado no terreno é um complexo e explosivo puzzle: Rússia e Irão estão interessadas em participar na definição do rumo da situação nesta parte do Mundo por razões distintas e, por outro lado, EUA e Israel invocam questões de segurança regional – nomeadamente no que diz respeito ao Governo de Telavive - exigindo continuar a definir os ‘contornos da guerra’ dentro de uma estratégia fundamentalmente ‘anti-Irão’ (apesar dos acordos de paz subscritos por Obama) em favor de uma solução simultaneamente pró-saudita e pró-israelita (esta miscelânea de interesses é intrigante). 
Finalmente, os EUA tendo como parceiro de aliança militar (NATO) a Turquia, preparam-se para apunhalar pelas costas os nacionalistas curdos que lutaram ao seu lado no terreno mas o novo ‘império otomano’ considera uma ameaça para as suas fronteiras.

No meio disto tudo, tendo em conta a previsão de uma eternização da situação bélica, resiste a população síria - reduzida a metade pelas mortes e pela emigração massiva – que já terá derrogado os ideais, as razões políticas e as demarcações religiosas e, no presente, luta desesperadamente – e exclusivamente - pela sobrevivência.

Não será exagerado afirmar que se desenrola na barafunda que ocorre no território sírio uma catástrofe humanitária. Aliás, será mais correto dizer: mais uma catástrofe a que o Mundo assiste impávido e (pouco) sereno!

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