Nicolás Maduro e a ‘primavera andino-amazónica’…

A rebelião de militares (milícias?) na Venezuela contra a presidência de Nicolás Maduro faz lembrar o ‘episódio das Caldas’ que antecedeu o 25 de Abril link. A situação venezuelana é substancialmente diferente dos tempos de estertor da ditadura portuguesa mas as movimentações militares, salvaguardadas as distancias, representam a usura que o papel de ‘guarda pretoriana’ acaba por causar na coesão das Forças Armadas, em qualquer País.
 
Na Venezuela o ambiente interno, isto é, as condições de vida tornaram-se insuportáveis para um número cada dia mais extenso de cidadãos.
A rutura em serviços sociais básicos, como por exemplo, no abastecimento de medicamentos e de bens alimentares essenciais é dramática. A fome sempre foi o motor das transformações históricas. E a incapacidade de suster a disseminação endémica da miséria leva ao desespero de todos aqueles que nunca tendo beneficiado da riqueza nacional explorada, ou produzida, tinham - apesar de tudo - assegurados níveis mínimos de subsistência (na pobreza).
 
A Venezuela vive um desses momentos. O ‘chavismo’ foi, em larga medida e apesar de todas as contradições, o movimento político que entreabriu a janela para uma mais justa distribuição da riqueza nacional venezuelana e paralelamente a afirmação de uma identidade nacional, ancorada na evocação do histórico herói libertador - Simón Bolivar.
 
Por outro lado, a situação venezuelana tem de ser encarada no contexto global da América Latina e a evolução recente da situação interna dos diferentes países do sul deste Continente, isto é, durante o século XXI.
As transformações políticas e económicas ocorridas no presente século na Argentina, no Brasil, na Columbia, no Equador, no Chile, na Venezuela, entre outros, afetaram os instáveis equilíbrios reinantes desde o fim da guerra fria neste Continente.
 
Até ao final do século XX a América do Sul foi um ‘quintal’ dos EUA e, para assegurar esse domínio regional, o instrumento privilegiado de intervenção política processou-se através de sangrentos golpes de Estado, na grande maioria de índole militar, que conduziram a ditaduras mais ou menos efémeras mas todas – enquanto duraram - ferozmente repressivas.
 
Na reversão destes golpes de Estado seguiram-se ‘governações civis’ de formações partidárias, formalmente legitimadas pelo voto popular que, no essencial tiraram partido do sentimento popular anti ditatorial. Todavia, cedo abandonaram as matrizes doutrinárias históricas para se lançarem numa desenfreada saga neoliberalizante, muito do agrado de Washington. Foi o que sucedeu no Chile (Sebastian Piñera), na Argentina (Carlos Menem), no Brasil (Fernando Henrique Cardoso), no Peru (Alberto Fujimori) e, até certo ponto, na Venezuela (Carlos Andrés Perez). 
 
A queda destes protagonistas do neoliberalismo abriu caminho a outras personagens que se balanceavam entre o institucionalismo, o populismo e vagas posições nacionalistas ainda marcadas por sequelas históricas da descolonização, com um ‘perfume de Esquerda’ no campo social, mas sem colocar em causa o sistema económico e financeiro.
 
Existem, contudo, notórias diferenças e gradientes entre os diferentes regimes sul-americanos que não é possível escalpelizar num post. Todavia, o denominador comum destes protagonistas será o carisma e a personalidade política do dirigente que se sobrepõe à consistência ideológica e ao arsenal doutrinário.
Apesar de podermos observar um leque tão alargado de países sobressaem algumas personagens políticas motoras destas transformações político-sociais: Lula da Silva (Brasil), Evo Morales (Bolívia), Nestor Kirchener (Argentina), Michele Bachelet (Chile), Alan Garcia (Peru), Hugo Chavez (Venezuela), entre outros.
 
O fim dos mandatos destas figuras responsáveis pela mudança operada no século XXI, na maioria por motivos institucionais (constitucionais), trouxe ao de cima uma situação de orfandade para as transformações em curso.
Os sucessores estavam longe de possuir o carisma e a capacidade de mobilizar que os seus antecessores tinham evidenciado.
Hoje, assistimos à derrocada conjugada deste ‘movimento pan-sul-americano no século XXI’ (chamemos-lhes assim) essencialmente pela carência de uma sólida base ideológica.
 
Foi fácil, para os EUA, fazer regressar a ordem imperial à América Latina. Nomeadamente, à Venezuela bolivariana que, após o desaparecimento físico de Hugo Chavez, perdeu mais do que o seu tutor, isto é, desfez o ‘élan revolucionário’ e corroeu o apoio popular.
Bastou, para uma economia quase exclusivamente baseada na exploração de petróleo, pôr em prática a doutrina neoliberal, cartelizar os preços do crude provocando uma dramática descida e continuar a invocar o ‘livre funcionamento’ dos mercados.
Hoje, podemos falar de mais uma ‘primavera’: a ‘andino-amazónica’ que dispensou o contributo da NATO, mas contou com Wall Street.
 
Nicolás Maduro mantem-se no poder, como sucessor designado por Chavez, legitimado em eleições, é um alvo a abater, já que preside a um dos países com maior peso no âmbito energético, dadas as suas reservas petrolíferas.
Posto de quarentena, desacreditado pela impreparação política, as constantes gaffes e as visões surrealistas da conceção sobre a 'ideologia das três raízes’ (tendo como referências Bolivar, Rodriguez e Zamora) link. Destruída a matriz do regime bolivariano e, finalmente, cerceando a capacidade do Governo de Maduro de continuar a investir numa política social popular que foi a ‘marca de água’ do chavismo, confrontou-o drasticamente com uma galopante degradação da situação política interna.
Os meios ‘institucionais’ já não conseguem controlar a situação. Perante esta realidade Maduro decide fugir em frente, revogando a constituição arquitetada pelo seu progenitor político em 1999, matriz institucional do chavismo, onde estava inscrita, para além dos tradicionais poderes (presidencial, legislativo e judicial), a novidade do ‘poder cidadão’. A eleição da nova assembleia constituinte representa, sem tirar nem pôr, o pré-anuncio do fim do 'regime chavista'. 
 
Em desespero de causa, Nicolás Maduro, escolheu o confronto institucional. Lançou-se na procura de uma nova constituição para responder aos desafios. Entretanto, os meios disponíveis passam por um patético exercício de autoridade à sombra de uma legitimidade revolucionária já estilhaçada pela falta de pão endémica e pelo uso e abuso da repressão. Não é fácil indicar qual seria o “outro caminho alternativo”, com o crescente lavrar da instabilidade interna e uma poderosa pressão internacional que, partindo de Washington, já envolve quase toda a América Latina (Mercosul).
Mas há uma evidência que conhecemos amplamente: o resultado deste tipo de derivas.
Invariavelmente, o resultado será a transformação dos resquícios do chavismo num regime ditatorial (com ou sem Maduro), como sempre tolerado (apoiado) pela oligarquia económica e financeira tradicional e emergente e (ainda) em consonância com as Forças Armadas. Esta a tipicidade natural dos regimes sul-americanos.
 
O que está para vir nada terá a ver com o ‘chavismo original’. Um novo “Caracaço” link pode estar na forja. Desta vez com um rumo e resultados diferentes. Isto é, terá como objetivo último reconduzir, a ferro e fogo, a Venezuela de volta à esteira do neoliberalismo.
 
É este o dilema que fustiga a Esquerda europeia quando confrontada para opinar sobre a ‘crise venezuelana’. Este é, também, o tipo de terreno onde a Direita adora chafurdar.

Comentários

Manuel Galvão disse…
A população da Venezuela triplicou em 40 anos. Não porque os recursos para a sobrevivência gerados no país também crescido, mas porque os mesmos têm vindo a ser obtidos vendendo o petróleo nacional.
É insustentável. Sobretudo porque o petróleo que existe no subsolo de um país não lhe pertence (no sentido de não pertencer ao povo desse país).
A política energética mundial está mas mãos de alguém que nunca deixará que se financie bem estar social com receitas do ouro negro... não vá o diabo acordar...
mensagensnanett disse…
SÓ O SEPARATISMO É QUE VAI PERMITIR SALVAR, QUER A PROPRIEDADE PÚBLICA, QUER A PROPRIEDADE PRIVADA TRADICIONAL
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Existem dois tipos de bandos de mercenários camuflados:
- 1- os bandos de mercenários camuflados de LONGO PRAZO: estes mercenários camuflados [bom, no início até que existiriam dirigentes, naïfs, bem intencionados] já há muitos anos que sabem qual é o 'trabalhinho' que andam a fazer:
i) não gostam de, em nome da igualdade, premiar o mérito - acham que quem não gosta de trabalhar deve ter acesso ao passatempo de andar a ridicularizar aqueles que se esforçam/trabalham;
ii) mais, não gostam de austeridade, querem mais deficit (leia-se, quem vier a seguir que pague);
iii) Resultado: a longo prazo é implementado o caos... e depois, as riquezas do país são vendidas ao desbarato à alta finança (exemplos: ex-URSS, ex- RDA, etc).
- 2 - os bandos de mercenários camuflados de CURTO PRAZO (exemplo: os mais variados países da União Europeia):
i) vão vendendo tudo aquilo que puderem a multinacionais;
ii) vão desviando dinheiro dos contribuintes para a alta finança... para tapar buracos cavados pela alta finança (exemplo: veja-se o dinheiro enterrado pelos contribuintes nos buracos da banca);
iii) criam uma variada panóplia de leis que visam complicar a vida às micro, pequenas e médias empresas;
iv) ameaçam os pequenos e médios proprietários com uma variada panóplia de multas (e ameaças de expropriações) impelindo-os a venderem os seus bens, ao desbarato, às multinacionais;
v) Resultado (na União Europeia, e não só): analisando a evolução estatística, vê-se o óbvio -» a propriedade pública e a propriedade privada tradicional estão a desaparecer, em oposição, a propriedade das multinacionais (capital sem rosto) está a crescer avassaladoramente.
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Só o separatismo é que vai permitir salvar, quer a propriedade pública, quer a propriedade privada tradicional!
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Leia-se:
- Democracia sim, todavia, há que mobilizar aquela minoria de autóctones que se interessa pela sobrevivência da sua Identidade... para dizer NÃO ao nazismo-democrático, leia-se: é preciso dizer não àqueles que pretendem democraticamente determinar o Direito (ou não) à Sobrevivência de outros.
-» ver BLOG http://separatismo--50--50.blogspot.com/.
{ nota: nazi não é ser alto e louro, blá, blá, blá... mas sim, a busca de pretextos com o objectivo de negar o Direito à Sobrevivência de outros }
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Leia-se:
- TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS... ou seja, todas as Identidades Autóctones devem possuir o Direito de ter o SEU espaço no planeta.
[nota: Inclusive as de rendimento demográfico mais baixo... Inclusive as economicamente menos rentáveis... Inclusive as que procuram sobreviver pacatamente e prosperar ao seu ritmo]
Dito de outra maneira: os 'globalization-lovers', UE-lovers e afins, que fiquem na sua... desde que respeitem os Direitos dos outros... e vice-versa.

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