Tancos e questões remotas em aberto…

O roubo de material de guerra de um paiol do campo militar de Tancos é um caso grave.
Não que se trate de um caso inédito, inverosímil ou a reposição da parábola de ‘o rei vai nu’, mas mais uma confirmação de que não existem fortalezas inexpugnáveis (as ‘Linhas de Torres’ e a Maginot já nos tinham demonstrado isso).
 
As instalações militares e as arrecadações bélicas são áreas sensíveis e num momento em que a procura (tráfico) de armas está na ordem do dia estão sujeitas a cobiças constantes. Face a estes condicionalismos não é preciso ser um brilhante estratega militar para julgar necessário tomar medidas de proteção acrescidas.
Medidas que não foram aplicadas e o caso de Tancos é revelador dessa insuficiência e de um preocupante desguarnecimento das Forças Armadas. Tancos poderá ser um epifenómeno de uma situação mais vasta e profunda.

Contudo, são legítimas e oportunas as preocupações do momento nomeadamente a circunstância de que este material roubado possa cair em ‘mãos erradas’. Ninguém ignora essa eventualidade. E a gravidade da situação decorre também da condição de a mesma ocorrer num País que incorpora a UE continente sob a mira das organizações terroristas. 

Por outro lado, pouco se sabe sobre as circunstâncias concretas em que decorreu este grave incidente. Desconhecemos se esta situação está correlacionada com um eventual subfinanciamento das Forças Armadas decorrente da crise gerida durante mais de 4 anos pelo próprio Passos Coelho e que amoleceu, por dificuldades de pessoal e orçamentais, a vigilância das instalações ou se encarna um roubo ocasional e isolado.
Entre estes dois polos existem diversos gradientes e estará a verdade (ainda em investigação).

A referência pelo Chefe do Estado Maior das Forças Armadas da existência de possíveis conivências internas vem colocar novas questões sobre um assunto que, para além de desgastar a imagem das Forças Armadas e de contribuir para alimentar receios sobre a segurança das instalações militares, entra no campo político por outras portas, isto é, o fim do serviço militar obrigatório (SMO), decidido em 1999 e aplicado em Setembro de 2004.

A ´profissionalização’ (‘mercenarização’?) das Forças Armadas foi uma medida de política e de contenção dos gastos militares que o então ‘jovem laranjinha’ Passos Coelho (JSD) começou a bater-se ainda nos tempos da governação Cavaco Silva e viria a consumar-se mais tarde, no tempo de Guterres. Na verdade, como então sublinhou o PCP (que em 1999 se opôs a esta alteração) estávamos a abdicar, no campo político, de um instrumento definidor de cidadania.
Esta conceção sobre cidadania pode parecer forçada mas, na realidade, a instituição militar – com todos os defeitos inerentes – contribuiu para a modelagem de uma consciência cívica e nacional. ‘Ir à tropa’ enquadrada como uma obrigação cívica nunca foi um questão despicienda em termos de formação humana (embora possa ser encarada sob diversas matizes).

A profissionalização das Forças Armadas viria a condicionar a resposta da Defesa Nacional face a um conjunto alargado de crises que viessem a desenrolar-se no futuro (e não só em relação à prontidão para a ‘guerra’). Situações de contenção nas despesas e no investimento ditados, por exemplo, no quadro de políticas de austeridade, acabariam sempre por ter consequências na operacionalidade e funcionalidade das Forças Armadas.
O facto de perante uma situação de ameaça acrescida à segurança resultante da expansão das atividades terroristas pelo Mundo (com especial foco na Europa) coincidir com a paralisia do investimento e reduções orçamentais nas Forças Armadas, medidas impostas ao País por intervenção externa (Troika), pode estar por detrás de falhanços de segurança como o verificado em Tancos.

Na realidade, perante a aplicação de cortes orçamentais nas Forças Armadas - e que o curto espaço de tempo deste Governo [ainda] não permitiu reverter - é notório que a anterior situação de recrutamento de efetivos (SMO em vigor até 2004) daria outra margem de manobra face aos problemas do presente.
Era, então, possível à custa da adequação do contingente a mobilizar e incorporar, de acordo com as necessidades, colmatar (ou disfarçar) à custa de homens (sentinelas) as carências de investimento e manutenção dos meios técnicos (p. exº.: de videovigilância).  Portanto, hoje, a questão do SMO versus ‘profissionalização’ ganha, por diversos atalhos, de novo, uma gritante atualidade e merece ser repensada.

Não houve tempo para investigar a fundo a situação mas a Oposição apressa-se a pedir cabeças. Facto estranho porque, Passos Coelho enquanto ex-primeiro-ministro ou Assunção Cristas enquanto ex-ministra, sempre se recusaram a tomar as medidas que agora exigem afincadamente. Nunca se apressaram a fazer rolar cabeças no seu Governo e, por exemplo, num caso gritante de incompetência, como foi o de Miguel Relvas, deixaram-no a marinar largos meses acabando por aceitar referenciar a sua saída como uma ‘questão anímica’.
Aliás, é difícil perceber a precipitada estratégia da Oposição que ao colocar na primeira linha do debate político a demissão do Ministro da Defesa mais não faz do que consolidá-lo no cargo. Sempre foi assim.

Em boa verdade o grave incidente de Tancos aconteceu agora como poderia ter ocorrido há 2 anos, data em que o equipamento de videovigilância já estava inoperacional. Na altura desta lacuna era primeiro-ministro Passos Coelho e não consta que tenha tomado quaisquer medidas. Provavelmente nem sequer foi informado da situação, como terá sucedido agora com o atual responsável do ministério da Defesa.
As rondas, a vigilância das instalações e a preservação em condições de segurança dos equipamentos que lhes estão confiados não é propriamente uma competência direta do ministro da Defesa. Outra coisa será o planeamento orçamental capaz de garantir - a todos os níveis - a operacionalidade e segurança das instituições militares. Mas ninguém se recorda da presente Oposição – quando se discutiu na AR o OE 2017 - ter reivindicado (ou apresentado) alterações nesse sentido.

O roubo ocorrido em Tancos tem causas remotas que ultrapassam a mera oportunidade e só aparentemente recaem sobre a atualidade.

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