Os incêndios e a putativa ‘comissão independente’…

O primeiro-ministro António Costa aceitou a proposta (da Oposição) para a constituição de uma ‘comissão independente’ para estudar a tragédia de Pedrogão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra a ser nomeada pelo Parlamento link.
 
Esta súbita evolução política tornou premente abordar este assunto aprioristicamente, isto é, antes que a dita Comissão seja nomeada porque, a partir daí, todo o comentário sobre o assunto corre o risco de ser considerado uma obstrução ao apuramento factual ou, mais remotamente, uma ‘ofensa’ à idoneidade (e independência?) dos seus futuros membros.
 
A aceitação da constituição de uma ‘comissão independente’ para averiguar os trágicos acontecimentos relativos aos incêndios da última semana é mais um passo na porfiada tentativa de desautorizar o Governo e de desestabilizar o exercício de funções das instituições nacionais. É mais uma manobra de igual quilate (embora introduzindo a nova variante da ‘independência’) como foram, por exemplo, as sucessivas comissões de inquérito parlamentar sobre a CGD que mais não pretendiam do que impedir a reestruturação e o fortalecimento do banco público.
Em última análise esta postura do PSD revela a parca capacidade de aceitação (de encaixe) das regras democráticas, situação que é recorrente desde o fim do obtuso ‘arco da governação’. A partir daí (Outubro de 2015) tudo o que é governamental é suspeito.
 
Na verdade, o que os portugueses legitimamente devem esperar (exigir) é que o atual Governo revele capacidade para tirar conclusões e consequências dos trágicos acontecimentos ocorridos. Os meios para chegar a esses resultados são, no primeiro plano, da competência governamental e o que se exige é honestidade, rigor, transparência e, obviamente, um nítido distanciamento dos interesses económicos que gravitam à volta da floresta. O endosso destas competências para uma comissão eventual só desvaloriza a capacidade do Governo no enfrentar de situações críticas (tarefa para a qual necessita de estar habilitado). A proposta do PSD não é inocente, isto é, revela a conceção prévia que as instituições existentes poderão torturar a realidade e distorcer a verdade. Claro que sobrenadam à volta dos acontecimentos questões que carecem de melhor explicação (SIRESP, GNR, Proteção Civil, etc.) mas isto é outra face do problema (relativa à inegável necessidade de esclarecimento).
 
Será difícil perceber várias nuances que envolvem a condescendência governamental na criação desta comissão. Primeiro, a proposta do PSD surge em pleno desenrolar da tragédia o que faz pressupor que, ainda no escuro, algo poderá ter corrido mal. É impossível dissociar esta proposta de uma antecipada tentativa de aproveitamento político.
 
Depois, a impositiva participação dos partidos na constituição da comissão lança dúvidas sobre a sua ‘independência’ em relação às entidades proponentes. Claro, que todos sabemos ser a Assembleia da República o órgão representativo do povo, perante o qual o Governo responde. Sabemos mais: o dito povo tem o direito de conhecer as causas, as razões, os esforços, as respostas e os eventuais erros que transformaram um incêndio de Verão numa verdadeira tragédia nacional.
 
Ninguém aceitará o estatuto de independência a uma comissão que resultará do somatório de várias individualidades escolhidas pelas representações parlamentares com critérios (ainda desconhecidos) que, com certeza, valorizarão o mérito técnico e científico, mas poderão passar ao lado de,  ou esconder, outras afinidades e outros interesses.
Uma vez aceite a metodologia (o Governo aceitou a proposta do PSD) e levando à prática a necessidade de conferir um carácter nacional e abrangente, o momento político, social e até emocional, poderá exigir que essa comissão, com natividade endossada para a AR, deva reunir o pleno consenso democrático.
Essa comissão não poderá ser o simples somatório de múltiplas designações partidárias mas deverá aparecer perante os cidadãos como sendo consensual e aceite sem reservas, isto é, subscrita por todos os deputados da AR.
Esta unanimidade é, tendo em consideração a praxis parlamentar, praticamente impossível de ocorrer.
 
Aliás, e à margem dos dramáticos incidentes de Pedrogão Grande, temos o trágico exemplo dessas ‘comissões independentes’ num quadro de privatizações que o Governo de Passos Coelho anunciou em 2011 e que viria a ‘justificar’ (aos incautos) a alienação de sectores estratégicos empresariais do Estado link, e que o distanciamento político existente (6 anos) já nos permite avaliar da sua movediça ‘independência’.
O problema será, então, outro. Na verdade, as ‘crises domésticas’, sejam elas florestais ou de qualquer outra natureza, quando envolvem perdas de vidas ou de avultado património coletivo e necessitarem de melhor esclarecimento (sobre as suas causas e o seu desenrolar) devem dispor de estruturas institucionais e mecanismos próprios para o apuramento da verdade e das responsabilidades.
 
A emergência de comissões ad hoc evidencia sempre características efémeras, transitórias e limitadas nada consentâneas com a gravidade e urgência dos acontecimentos a investigar. Haverá sempre a tendência de podermos configurar essa via como um mero caminho para a chicana política.
 
Quando existirem casos públicos de gravidade extrema deve ser um ‘órgão da República’, logo com existência institucional, judiciosa e ampla capacidade de discernimento e independência estatutária. Esse ‘órgão’ deverá no cabal cumprimento dessa função, para cada caso, disfrutar de meios para conjugar e/ou arrolar apoios com uma sólida e idónea vertente técnico-científica. Chama-se a isto ‘normalidade democrática’ característica que deve ser aplicada em todas as situações, mesmo nas que se apresentem como excecionais.
 
Esse órgão de investigação com a institucional garantia de independência para apurar responsabilidades (erros, neglicências, má gestão, desleixos, falhas de coordenação, etc.) não existirá? Por acaso não estaremos a falar da Procuradoria-Geral da República? 
 
De resto, a apreciação política – que não deverá limitar-se aos trágicos incêndios de Pedrogão Grande - deverá ser feita na sede própria, isto é, no Parlamento e no debate que os partidos políticos, as organizações cívicas e as associações têm obrigação de promover e a sociedade civil de realizar.
A urgência de respostas, seja em relação às causas do desastre, seja no apoio às vítimas, seja ainda em relação aos meios do combate ao incêndio, não se compadece com este tipo de chicana política que a Oposição parece estar apostada em promover.

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