As eleições holandesas

As eleições holandesas não podem ser reduzidas a exercícios contabilísticos, à contagem de cadeiras no Parlamento, aos avanços e recuos eleitorais e a especulações sobre prováveis coligações governativas. Na realidade, existiu algo para além disso.

O que aconteceu na Holanda foi mais uma oscilação do eleitorado que se revelou extremamente crítico para com o sistema político-partidário vigente e simultaneamente uma profunda fragmentação do eleitorado.
Numa leitura desapaixonada dos resultados dificilmente se conclui que o ‘perigo populista’ foi contido. Na verdade, o partido do fascista e racista Geert Wilders resistiu aos mecanismos de exclusão que se desenharam no leque partidário holandês. À partida os populistas não tinham qualquer hipótese de vir a integrar um futuro governo o que é um handicap eleitoral, nomeadamente para a Direita, que não aprecia os protestos platónicos e muito menos afirmações de princípio ideológicas (que de facto o populismo não alberga).

Numa análise preliminar dos resultados eleitorais holandeses não deve ser excluído o receio de que o partido de Geert Wilders (Partido para a Liberdade – PVV) tenha conseguido caminhar no sentido de uma consolidação do seu eleitorado (subiu 3% em relação às eleições de 2012). Facto que não pode ser considerado como sendo um bom auspício.

Por outro lado, não basta verificar que os partidos tradicionais perderam influência eleitoral havendo inclusive casos de ‘pasokização’ (Partido do Trabalho - PvdA). A grande mudança verificada foi uma profunda fragmentação do espectro político – uma autêntica ‘pulverização’ – (concorreram às eleições 28 partidos) em que à margem de conceitos e construções ideológicos capazes de efeitos agregadores emergiram por todo o lado múltiplas formações de bases locais, sectoriais e até de sectores religiosos (p. exº. União Cristã – CU cujo fundamento ideológico é a Bíblia!).
Foi uma espécie de 'festival de lobbys' que desceu ao terreno para se afirmar e influenciar a política.

O partido vencedor (Partido Popular para a Liberdade e Democracia – VVD), dirigido por Mark Rutte, representa cerca de 1/3 dos eleitores e não tem uma tarefa fácil pela frente. Qualquer coligação que venha a ser formada, dado o espectro partidário existente, será pouco coesa. O VVD é um partido liberal do Centro-Direita e a atual situação pós-eleitoral mostra que poderá ser muito complicado dispensar parte da esquerda (latu sensu), onde se inclui o D66 (radical, progressista e social-liberal), pelo que as negociações, para formar um novo Governo, deverão arrastar-se. Não vai ser fácil arranjar parceiros para prosseguir uma política de austeridade. Todavia, não deve ser esquecido que há 7 anos (2010) Rutte formou um governo que beneficiou do apoio parlamentar de Geert Wilders.

Um dos partidos que mais subiu nestas eleições (6,6%) foi a Esquerda Verde (EV), facto que significa a transferência de votos da social-democracia liberalizante, muito ao estilo Blair, que estava sediada no Partido do Trabalho, para o Centro (VVP) e para a Esquerda (EV).
Todavia, é previsível que dado os seus antecedentes históricos e nomeadamente as suas conceções económicas e de redistribuição da riqueza este agrupamento não venha a integrar uma futura coligação governamental liderada pela Direita.

Finalmente, o mais importante é ter a noção do que está a acontecer em alguns países da Europa: uma penosa e galopante bipolarização. Os populistas (e nacionalistas) contra uma amálgama de ‘outros’ que vão desde os eurocéticos, aos sociais/liberais, aos radicais, aos anticapitalistas passando pelos que pretendem regulamentar da imigração sem a ‘excomungar’, i. e., absorvendo as notórias tensões sociais.

Na realidade, neste momento, na Europa, a ‘iniciativa política’ está do lado dos populistas de Direita estimulados pela eleição de Trump.  As eleições holandesas representam um suspiro de alívio mas não permitem tirar ilações para futuro. A bipolarização vai continuar a pairar sobre os europeus. Enterrar a cabeça na areia e esperar que nada aconteça é a pior atitude que poderemos adotar.

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