ADSE e ‘modelo’ do gato escondido com rabo de fora…

O relatório da ‘comissão de peritos’ para a reforma da ADSE está nas manchetes dos jornais link; link . …
Ao fim de quase 6 meses de trabalhos – tendo pelo meio um apagado período de discussão pública sobre um documento preliminar - a ‘Comissão’ fez as suas recomendações ao Ministério da Saúde.
E a solução proposta, no que diz respeito ao modelo estrutural e funcional, é: transformar a actual Direcção-Geral numa pessoa colectiva de utilidade pública. Esta é uma via dita de ‘autonomização’ que na realidade esconde uma ‘privatização’ de um subsistema público de saúde, embora com acesso condicionado.

 A ADSE tem sido uma situação controversa e mal compreendida nomeadamente por, à primeira vista, ferir susceptibilidades quanto à equidade já que, estando na órbita pública, beneficia um grupo restrito de cidadãos – os servidores do Estado no activo, os aposentados e descendentes, ascendentes e familiares. 
Não é um grupo muito restrito e no presente representará cerca de 1. 300. 000 portugueses e portuguesas, mas não deixa de ser um lote especifico de cidadãos. Por outro lado, esta 'actividade complementar' (sublinhe-se esta característica)  alivia a pressão sobre o SNS que foi tão mal tratado orçamentalmente nos últimos anos.
Na actualidade – e nem sempre foi assim – o subsistema é sustentado exclusivamente pelas quotizações dos seus beneficiários. Estes cidadãos – e raramente é referida essa circunstância - têm uma espécie de ‘dupla tributação’ para o sector da Saúde, já que, a par das quotizações atrás referidas são naturalmente directos contribuintes – sem possibilidade de fuga - para o Orçamento de Estado e, por essa via, também, co-sustentam o Serviço Nacional de Saúde que, como sabemos e desejamos, é público e universal.

As quotizações para a ADSE tem sofrido alterações consideráveis, 'acompanhando' as restrições orçamentais que caracterizaram a crise financeira vivida desde 2008, e a sua taxação sofreu, nos anos recentes (Governo de Passos Coelho), um aumento da ordem dos 133% (os descontos mensais passaram de 1,5 para 3,5 %). 
Na verdade, a ADSE 'deixou de sentar-se à mesa do Orçamento de Estado' há 4 anos (desde 2012). Mais, desde 2014, as suas contas apresentam elevados saldos líquidos (200 M€ em 2014 e 142 M€ em 2015 link).

Toda esta introdução para chegarmos a um pormenor exposto no relatório da Comissão (de difícil acesso) que estudou o modelo funcional, estatutário e financeiro da ‘futura’ ADSE.

De salientar que esta comissão criada pelo despacho 3177-A 2016 link suscitou desde o início ‘incidentes de exclusão’ (para não lhes chamar de 'suspeição') da parte dos sindicatos, das organizações profissionais e movimentos cívicos de aposentados relacionados com a chamada ‘Função Pública’, que foram marginalizados desse ‘grupo de reflexão’, composto por académicos, técnicos de variados quadrantes, funcionários, etc., tendo sido jocosamente apelidado como o ‘Grupo do power-point’.

Ao defender a mudança da ADSE para o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública (o relatório enumera vastas razões que não cabe aqui dissecar) a ‘Comissão’ não fica por aqui e adianta:  que a futura instituição pode, eventualmente, ser gerida “por uma operadora de seguros de saúde privadalink.

Se até aqui a Comissão conseguiu manter idoneidade técnica e condescendência política, escondida  no recato de iludir intenções, mas com esta inusitada ‘sugestão’ escorregou e desmascara às escâncaras uma real intenção de privatização, numa peregrina interpretação do modelo ‘mutualista’.

Mas há mais e considerando que a ADSE, nos últimos 2 anos, tem apresentado superavits, a Comissão não se conteve e volta à carga com uma proposta de ‘rentabilização’ desses saldos, sob o pretexto da sustentabilidade a longo prazo, não definindo, contudo, em que mercados devem estes saldos positivos serem aplicados, mas arriscamos a pensar que provavelmente será na banca de investimentos ou na pior das hipóteses em offshores.
Esqueceu-se de prever se a instituição, a breve ou a médio prazo, estará a integrar um qualquer grupo de ‘lesados’.

Esta a saga do dinheiro que tantas paixões, especulações e mediocridades levantam.

Declaração de interesses: 
- Sou beneficiário da ADSE mas antes disso um acérrimo defensor de um sistema público e universal de saúde. Não vejo qualquer conflito entre um sistema público e um sub-sistema complementar sustentado pelos beneficiários que, em última análise, 'alivia' os custos do investimento público e diminui as demoras médias.

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