Lamego – 10 de junho_2015

A Pátria, em dívida com benfeitores e filantropos ávidos de veneras, cachaços à espera do aconchego do colar, peitos insuflados para aguentarem o impacto da medalha, foi a Lamego afagá-los em cerimónia vigiada.

Os agraciados são numerosos mas há outros a quem nunca a venera lhes baterá no peito, sem títulos académicos, militares ou eclesiásticos, simples Pereiras, Silvas ou Oliveiras, sem dinheiro para brasão da casa ou laço de banda de qualquer colar, para a lapela.

É divertido ver o ar dos agraciados e a forma eficiente como os embrulham, com mais esmero do que nas ourivesarias atam as caixinhas das alianças, mas dói a manutenção da coreografia, até a soturna evocação, “morte de Camões”, de quem devia celebrar-se a vida dada a incerteza da data e local de nascimento.

O 10 de Junho, cuja simbologia Jorge Sampaio resgatou, há dez anos que remete para o passado sombrio da ditadura, com gente de negro, pais a receberem medalhas dos filhos, mulheres de maridos mortos e crianças amestradas, junto de Américo Tomás, para lhes ensinarem que deviam estar gratas pela orfandade que as atingira.

A liturgia regressou ao Portugal de Abril, com um presidente eleito a repetir gestos de antigamente, num palanque onde sobem atentos e veneradores os agraciados, com ar de quem vai cumprimentar os familiares do morto. Até a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) se negou a assistir à última homilia do Comandante Supremo, certa de que o homem mais sério de Portugal e um dos mais sérios de Boliqueime não faltaria com o seu apoio e propaganda ao Governo de que se tornou mandatário.

Não simpatizo com o dia, apesar do amor ao poeta e aos dez cantos d’Os Lusíadas. Não vejo televisão nem oiço rádio. Recuso-me a ver cerimónias do passado em ‘playback’.

Prefiro esquecer o épico cosmopolita de que a ditadura se apropriou para a exaltação da suposta raça, ideia de panegiristas de má raça que adularam Salazar. Nem a distinção a Mariano Gago, cujo mérito o PR só reconheceu após a morte, e que talvez lha recusasse se vivesse ainda, nem esse ato de justiça redime a cerimónia lúgubre.

E prefiro o lírico.

Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.

Ponte Europa / Sorumbático

Comentários

kkbm disse…
De repente a televisão era a preto e branco e imagem difusa, enquanto de fora chegava o ronronar suave do gerador, porque a electricidade era ainda uma miragem no início dos anos 60
Deprimente!

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