Sim mas… ou a cobardia e a dissimulação

Perdoo menos aos que me são próximos do que aos de que me distancio. Compreendo as reservas do patriarca de Lisboa, do Papa ou mesmo do intelectual Boaventura Sousa Santos. Aceito a convicção do primeiro a defender o direito à vida, mas… a considerar irrecusável «a liberdade e a responsabilidade de expressão e o direito a ser considerado naquilo que são as convicções e na expressão das ideias», numa forma dissimulada de limitar a liberdade de expressão, quando ninguém o obriga a ler um jornal satírico ou a assistir a um filme iconoclasta. Lembro-lhe que Pio IX excomungou comunistas, ateus, livres-pensadores, democratas e liberais. Pensará a ICAR levantar-lhes a excomunhão?

A liberdade não nasceu nas sacristias mas contra elas. O direito à blasfémia custou vidas e provocou tormentos inauditos. O medo do Inferno embruteceu gerações e as religiões, incluindo o cristianismo, crucificaram a liberdade. Em democracia não se provocam os crentes nos seus espaços, mas nenhuma religião tem o direito de banir a negação, crítica ou sátira do seu deus, através da imagem ou da palavra, fora do adro dos seus templos.

O papa, que hesita entre a modernidade que os dois antecessores recusaram e a tradição que mantém o negócio, acaba por dar razão aos terroristas, talvez lembrado da tradição da sua Igreja, ao afirmar que «Não se pode insultar a fé dos outros». E o ateísmo, pode?

Em Boaventura Sousa Santos, com a inteligência que se lhe reconhece, é bem patente aquela esquerda que saiu das madraças católicas onde se ensinava a catequese da nossa infância, minha e dele. Tem uma visão social progressista e uma leitura inquisitorial do livre-pensamento.

A quem não perdoo é à eurodeputada do PS, Ana Gomes, cuja estima, ganha em Timor, se esvaziou na náusea, pela pusilanimidade das suas posições em relação à liberdade de expressão. A cobardia atinge o asco quando pergunta: «Porquê insistir na representação do profeta, que se sabe ofender os muçulmanos? Não estou de acordo». Prefere que os sevandijas matem mais cartunistas?

É desta cobardia, denominada bom senso, que se fazem as vitórias dos que nos querem de joelhos, mãos postas e prostrados perante um ser imaginário. E sempre, e só, o deles.

Ontem todos eram Charlie, hoje são mais as deserções do que as adesões sem «mas».

ICAR = Igreja Católica Apostólica Romana.

Comentários

e-pá! disse…
Começam a desenhar-se tomadas de posições políticas capazes de justificar medidas securitárias eventualmente lesivas das nossas liberdades.
Ainda hoje ouvi um notável representante da Direita, no programa 'Quadratura do Círculo', afirmar que as liberdades 'nascem' da segurança. Penso exactamente o contrário.
Aliás, estou convicto que todas as medidas de segurança desenhadas para combater o terrorismo representaram, em concreto, um sério ataque às liberdades individuais, sem que na prática se colham resultados eficazes.
Basta analisar o 'Patriotic Act', imposto por G W Bush na sequência do 11 de Setembro, e simultaneamente olhar para o descalabro que se veio a revelar a actuação em Guantánamo.
Completamente de acordo. e-pá.
A caricatura não é um crime. É a arte superior do humor. E o humor não é um insulto. E as caricaturas, focalizadas na temática das religiões, não podem ser banidas, só porque um profeta, nascido no deserto, na obscura Idade Média, decretou que não podia ser retratado em imagens. A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, que custaram muito a conquistar, não podem sucumbir à ameaça das bombas nem às declarações pias dos representantes dos deuses, cá na Terra.
O Papa não pensa como nós.

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides