Projecções eleitorais em Espanha: divagações sobre a Esquerda, a soberania e nacionalismos…


Os beneficiários directos das respostas neoliberais da Direita à crise económica e financeira espanhola deveriam ser o PSOE e a Izquierda Unida (IU). O gráfico publicado pela sondagem do El Pais mostra que não é assim. Desde as eleições gerais de 2011 até Novembro de 2014 a IU (que congrega o ex-PCE e a Esquerda Republicana) perdeu metade das já reduzidas intenções de voto (de 6,9 para 3,8%) e o PSOE está 2 pontos abaixo da sua posição de há 3 anos (nas eleições gerais).

O PODEMOS, em Espanha, ameaça essencialmente o bipartidarismo – alternante e reinante - que se instalou na Península Ibérica com os regimes democráticos emergentes de ambas as ditaduras. 
Até aqui – e particularmente nos anos após a queda do muro de Berlim - as eleições mudavam essencialmente de protagonistas (políticos) mas, para a sociedade, as propostas de alterações políticas e, pior, as efectivas mudanças de política eram ténues, inexistentes ou ilusórias. Os mercados decidiam as ‘políticas reais’ com medidas aparentemente económicas, mas de ‘incontornáveis’ incidências políticas e sociais, sempre que possível programadas para terem efeitos a longo prazo. Medidas, acrescente-se, carregadas de um carácter assertivo e inflexível (‘sem alternativas’), tornando os actos eleitorais pouco relevantes ou próximos da farsa. 
Por este caminho percorrido e decorrente da globalização bloqueou-se o sistema político e afastou-se os cidadãos das decisões políticas fazendo perigar a democracia. A primeira constatação quando se olha para o gráfico acima é que o tal ‘arco da governação’, em Espanha, deixará (?) de ter a maioria qualificada necessária para as revisões e alterações constitucionais. Isto é, este ‘arco’ esvaziou-se.

Não é por acaso que a primeira proposta do manifesto do partido PODEMOS incide sobre a restauração da soberania popular link e a partir daí chegar ao conceito de renegociação (auditoria) da dívida. 
É um oportuno repto à impotência democrática que se apoderou do eleitorado, o desviou das urnas e que causa incómodo aos cidadãos, porque subtraiu ao escrutínio popular uma parcela importante (fundamental) do poder. 
O que se está a passar em Espanha, e poderá estar a passar-se em toda a Europa, não é propriamente a discussão das medidas concretas que são propostas com alguma ligeireza (aumento dosalário mínimo, aumento das pensões, valorização do trabalho, estímulos ao desempregados, etc.) mas transmitir a sensação de que o eleitor tem de retomar os seus poderes basilares para decidir, isto é, assegurar-se que pode controlar o seu destino. E controlar, num efeito mais imediatista e directo, significa, para já, começar por ‘correr com os corruptos’, exorcizando-os na rua e depois castigando-os nas intenções de voto. Este ímpeto regenerador, imprudentemente, desleixa (subalterniza) a perspectiva político-ideológica. Os cidadãos indignam-se e estão disponíveis para correr com os políticos corruptos mas não se mostram decididos, nem capacitados para gerar consensos e impor novas políticas, com outros políticos.
A maioria dos projectados eleitores do PODEMOS não quer saber de explicações técnicas acerca de défices, dívidas públicas e privadas, comportamentos dos mercados, confiança empresarial, competitividade, empreendedorismo e quejandos. Para já, e no imediato, repudiam um sistema político invadido por uma corrupção que se adivinha ‘sistémica’ link , geradora de ‘todos os males’ (recessão, desemprego, baixos salários, etc.) e não só do desvio de fundos públicos.

Resistente a todo este alheamento está a questão da soberania. Esta deslocação da centralidade política para questões básicas (de soberania) reforça a vertente política popular e desvaloriza as repostas tradicionais da Esquerda (de toda a Esquerda) que se deixou arrastar pela senda de tentar resistir ao desvario destruidor neo-liberal através da defesa e elaboração de respostas (trincheiras) sociais (e sindicais) visando combater as desigualdades, injustiças e defender os mais carenciados, desguarnecendo a vertente política e ideológica que justifica tais atitudes (necessárias, sem dúvida).
O embrenhar em sucessivas guerras de números, dados e estatísticas já deixou – nem que seja pelo cansaço - de dizer alguma coisa aos eleitores. Não é a defesa do social que condiciona a política mas exactamente o contrário: são as opções políticas que determinam e definem o contexto de acção social e de procura do bem-estar. E quando as questões e as clivagens são profundas há que regressar aos conceitos basilares. A soberania é tradicionalmente o pilar de todos os poderes. 

O nacionalismo – ou melhor a questão nacional – considerada independentemente (ou associada?) a uma gravíssima problemática europeia, de índole comunitária, sem fronteiras e com bandeira e moeda comuns, mas esvaziada de qualquer essência política e de um módico de coesão social que estivesse assente no desenvolvimento económico integrado e harmonioso, começa a ser uma resposta plausível à sufocadora hegemonia dos mercados internacionais, que se afirmam sempre como globais. Isto é, ao domínio do 'liberalismo global' castrador de quaisquer laivos de soberania.

O ‘trauma nacionalista’ na Europa pós-revolução francesa foi um espaço acarinhado pelos movimentos de Esquerda na quase totalidade do ocidente europeu. Não terá sido assim na Europa Central onde foi mais um instrumento dirigido para retrogradas tentativas de reposição ou de restauro do Antigo Regime.
Por cá, foi assumido, já em pleno século XX (no dealbar do Estado Novo), pelo pouco difundido e estudado movimento do ‘integralismo lusitano’.

O nacionalismo (mesmo o considerado de Esquerda) suscita à nascença fortes desconfianças e muitas reacções de desconforto. Não é um tema fácil, nem capaz de gerar consensos ou dividendos a curto prazo e necessita de amplas explicitações e múltiplas clarificações.
Existe, contudo, a noção de que não temos força para agir globalmente. Logo, as ‘respostas nacionais’ tendem a adquirir relativa relevância política e mostram-se incapazes de influenciar as decisões a curto prazo. É essa a tónica central do PODEMOS. Mas o nacionalismo continua a ser um terreno político resvaladiço, nomeadamente para a Esquerda socialista, quanto mais não seja pelo estigma do ‘nacional-socialismo’. 
Será, todavia, um assunto político demasiado importante para ser deixado à exclusiva administração (exploração) da Direita.

As concepções ‘nacionais e patrióticas’ - tão caras ao PCP - poderão ser, num ambiente de fragmentação da Europa que se anuncia link, uma resposta agregadora para a profunda crise que divide, por toda o espaço europeu, a Esquerda. Precisam é de ser alinhavadas num contexto ideológico que rejeite os seus endémicos males e ultrapasse as suas tradicionais barreiras, tais como, o ‘ufanismo internacionalista’, o proteccionismo segregador, os separatismos calculistas, o elitismo balofo, etc.

Não vale a pena reeditar o longo e fértil confronto entre Lenine e Rosa Luxemburgo sobre a ‘questão nacional’ e a sua relação com o nacionalismo burguês então nascente numa Europa ocupada pela fase inicial da industrialização. Já ultrapassamos essa fase.
A questão nacional suscita, agora, sob os escombros de uma Europa em desagregação e em tempos de globalização, um novo debate. Que tem necessariamente de decorrer sob outras condicionantes, diferentes parâmetros e tornar-se capaz de produzir nova doutrina. É importante não deixar essa tarefa entregue à Direita.

Comentários

e-pá! disse…
Apostila:

Este post pretende ‘responder ‘ à advertência feita por Durão Barroso, hoje, na cerimónia ocorrida em Belém, onde foi condecorado, sobre a necessidade de combater “algum soberanismo”, patente em sectores da opinião pública portuguesa… link.
Seria sempre oportuno, este post.

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