O REGRESSO DO "CRIME DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO"

A ministra da Justiça, Paula von Hafe, tinha – e porventura tem ainda – uma ideia fixa, com a qual esperava ficar na História do direito português: a criação do “crime de enriquecimento ilícito”. Consistia tal “crime” no seguinte: se um cidadão aparentava ter um património superior ao que, em princípio, o seu ordenado ou outros rendimentos conhecidos justificariam, era só por isso considerado criminoso, mesmo não se demonstrando que esse património era de proveniência ilícita. Para se livrar dessa incriminação, era ele que tinha de demonstrar que tal património era de proveniência lícita. Isto é, não era a acusação que tinha de provar que ele era culpado; ele é que tinha de provar que era inocente.

É claro que esta inversão do ónus da prova era uma aberração jurídica, que violava manifesta e grosseiramente a Constituição, e assim o declarou o Tribunal Constitucional.

A ministra, porém, nem assim desistiu da ideia. Um dia, a seguir a um almoço – certamente muito animado – com jovens do PSD, proclamou: “Havemos de lá ir as vezes que forem precisas!”. Queria porventura dizer que ia insistir na sua “genial” ideia, até que o Tribunal Constitucional se cansasse. Mas obviamente a ideia não passou.

Ora, no caso Sócrates, tanto quanto se sabe, o único facto concreto que é imputado ao ex-primeiro-ministro é o de ele ter um património superior ao que seria normal. Nada se refere quanto à proveniência lícita ou ilícita desse património. Assim, parece que se pretende que ele seja obrigado a provar a sua inocência. Entretanto, por via das dúvidas, fica preso.

Von Hafe conseguiu assim, por caminhos ínvios e por interposto Super-Juiz, o que não conseguiu pelas vias normais. Isto é: sempre conseguiu “fintar” o Tribunal Constitucional!

Comentários

Manuel Galvão disse…
Só é inversão do ónus da prova se o legislador o quiser.

Quando uma pessoa detém um património maior que aquele que seria de esperar, as Finanças podem sempre perguntar-lhe a proveniência do dinheiro que pagou esse património, depósito a depósito, conta bancária a conta bancária (não devia ser legítimo comprar um mercedes ou um prédio com notas de banco).

O fisco pode perguntá-lo legitimamente, para aferir se os impostos dessas transações foram pagos ou não. E pode perguntar também sobre pagamentos a terceiros para aferir se houve ou não lugar a pagamento de impostos. Havendo pode pedir o comprovativo desse pagamento.

Se o felizardo não souber explicar a proveniência do dinheiro, levanta suspeitas de atividades ilícitas. Tem então que ser investigado.

O problema todo está no sigilo bancário que, pelos vistos já não é hoje o que foi outrora. Até os bancos suiços já dão à dica sobre as contas dos clientes...

Em vez da lei do enriquecimento ilícito devia haver alterções legislativas que tornassem mais transparentes os fluxos de dinheiro, nas empresas e nas pessoas singulades. As transações imobiliárias, viaturas, joias, etc. deviam ser registadas fazendo referência ao documento bancário de pagamento. E devia ser proibido transaciona-las a dinheiro vivo.

É ridículo ver textos de escrituras, no século XXI, que rezam: "O Sr. Vendedor declara que vendeu o apartamento por 100.000 euros, quantia que já recebeu na íntegra". Jurássico!

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