Passos Coelho no fórum: a hora da verdade, os momentos e os enganos…

Passos Coelho participou no Fórum Empresarial do Algarve e aproveitou o ensejo para continuar a sua cruzada preparatória para o OE 2014. Resolveu, na circunstância, emitir um lancinante apelo:
Não se tratam de escolhas de um governo, nem sequer de uma coligação de partidos, mas de escolhas verdadeiramente nacionais. Este é o momento da verdade. "Por isso, esclareceu, implicam e vinculam todo o sistema político-constitucional". Este novo apelo a um "grande compromisso nacional tem agora de ser confirmado com escolhas concretas assentes em critérios de justiça e de equidade. E todos sabemos o que isso quer dizerlink.

Raramente vemos (ou ouvimos) uma tirada política albergar tantas veleidades e tornar-se num imenso vazio. Passos Coelho sabe que o actual ‘programa de ajustamento’ deixou de ser o Plano de Ajuda Económica e Financeira (subscrito em 2011 pelo PS, PSD e CDS/PP) para transformar-se numa outra realidade e finalidade, i. e., num violento designio neoliberal várias vezes (nove, pelo menos) negociado entre este Governo e a Troika.

Em 2011, quando estala em Portugal a crise política que esteve na origem do actual Governo - após eleições onde apresentou o ‘resgate’ como um ‘mar de rosas’ - estávamos numa situação dramática, desesperada, com profundos reflexos na sustentabilidade das Finanças públicas, passeando-nos pelas bordas do default, depois do XVIII Governo, face à crise iniciada em 2008, ter sido ‘instado’ – nomeadamente pela UE – a proceder a vultuosos investimentos públicos. Esta primeira 'resposta' europeia face à crise agravou de modo fatal o nosso ratio de endividamento em relação a um PIB debilitado ( há um decénio que vinha registando um crescimento anémico).

Tratou-se - é hoje legítimo pensar - de uma capciosa armadilha desenhada pelo mundo financeiro, a nível global, que encobria a finalidade mudar e perverter o modelo político, económico e social, não só em Portugal, mas em todo o Sul da Europa. Quando mais tarde (em 2010-11) chegam a Portugal as telúricas réplicas de uma ‘outra face da crise’ – a das dívidas soberanas – é que, na realidade, o País foi confrontado com o ‘momento da verdade’. Nessa altura, os partidos que integram a actual coligação governativa fizeram as suas escolhas (perante a ingenuidade da Esquerda) e proclamaram em alto e bom som a sua disponibilidade política (conveniência?) para acolher no nosso País uma intervenção estrangeira (muito mais ampla e interveniente do que o ‘auxílio europeu’ que então o governo em exercício procurava) link
De então para cá – e já vão mais de 2 anos – entregou de mão beijada o País à discricionária arbitrariedade dos ‘credores’ e nesse ‘clima’ tem negociado e renegociado o que quis (e desejou) sem dar cavaco a ninguém.

Assim, e regressando ao apelo de ontem do primeiro-ministro, foi de facto em 2011 que o País foi confrontado com o ‘momento da verdade’. E ao contrário do que o primeiro-ministro disse no Algarve a actual coligação e as suas lideranças fizeram - nesse crucial momento - as suas escolhas. Foram escolhas eminentemente subjugadas a interesses partidários e ao serviço de opções ideológicas que o programa de resgate ditado do exterior vinha ao seu encontro. Assim, a desesperada tentativa de transformar este mecanismo de 'assalto ao pote' numa opção nacional é desavergonhada, para não dizer tremendamente ridícula. 
Mais, seria hilariante se não fosse trágica perante a descabida e patética a pretensão de, como de repente Passos Coelho imaginou, ‘vincular todo o sistema político-constitucional’ à insidiosa escolha de 2011 e ao seu subsequente percurso de 2 anos. O Governo ao invocar esta ‘vinculação’ pretende apagar o facto de regularmente ter vindo a ser fustigado por múltiplas e sucessivas ‘inconstitucionalidades’ situação que, no presente, parece bastante longe de correcção ou de reversão. 
Na verdade, o ‘grande consenso nacional’ será outro. E não andará longe da noção colectiva de que o sistema político-constitucional tem sido repetidamente enxovalhado por esta coligação.

A verdade (e o seu momento) - sendo um inestimável valor político - é uma coisa muito sensível, humilde, transparente, verosímil e necessariamente duradoura, não costumando oferecer-se múltiplas vezes. Quer a transitoriedade como a volatilidade adaptam-se melhor às ocasiões. Aquelas que, como o povo diz, ‘fazem o ladrão’.

E mais uma vez Passos Coelho quis confundir a ‘hora da verdade’ com uma fortuita ocasião para tentar fugir às suas responsabilidades no ‘insucesso’ deste modelo de ajustamento que, conscientemente, abraçou em 2011, pleno de convicções ideológicas que - dolosamente - não partilhou com os portugueses. Esta terá sido a grande hora da verdade, há 2 anos, brutalmente assassinada por enganos e, hoje, não passam de catastróficos 'desenganos'.

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