O Governo, a escola pública e os cheques…


Governo abre a porta ao cheque-ensino no básico e secundário… link

Esta a nova arma de arremesso retirada do arsenal (neo)liberal para questionar um bem que nem é historicamente uma conquista de Abril (contra as quais usam todo o tipo de argumentos) mas um património muito mais vasto que remonta à República.

De facto, após o advento da República a grande atenção política voltou-se para o ensino infantil e o ensino normal primário dado que a chaga educativa era uma aviltante percentagem de analfabetismo (à volta dos 70%). E este arranque conta com o saber e a participação dois pedagogos de craveira excepcional – João de Barros e João de Deus - que colaboraram na Reforma do Ensino Primário de 1911. Estas reformas – versando a resolução do problema crónico do analfabetismo têm como alicerces a gratuitidade e a neutralidade do ensino e instituindo a escolaridade obrigatória de 5 anos e criado o ensino infantil oficial. A primeira guerra mundial e o consequente problema social fez despoletar o incremento do ‘trabalho infantil’, que corroeu esta reforma.

Mais tarde, no Estado Novo, dá-se uma dramática ruptura com a ‘escola republicana’ sob a batuta de ministro Carneiro de Pacheco, que bebendo na ideologia salazarista surge com a ‘sua’ Reforma do Ensino Primário. Primário, também nas suas ambições gizando uma proposta de maquilhagem no combate ao analfabetismo que passa pela aquisição de níveis culturais mínimos. Uma reforma coxa. Depois da II Guerra Mundial a viragem dá-se no sentido da construção da ‘escola nacionalista’ carregada que preconceitos doutrinários e religiosos (cristãos). A instrução do povo é considerada pelos títeres do Estado Novo como uma ameaça ao regime. É nas mãos destas concepções que a 'escola neutralista' da I República é imolada.

Na parte final do Estado Novo (anos 60 e 70) a situação educativa era verdadeiramente calamitosa. De tal modo que a 'bandeira' de Veiga Simão (ministro de Marcelo Caetano) foi, nessa época, a ‘democratização da educação’.

Com o 25 de Abril após um período inicial muito conturbado onde a democratização da gestão das escolas ocupa a centralidade da mudança, começam a surgir alterações que vão durar entre elas o ensino unificado que praticamente extingue as escolas técnico-profissionais como intuito de garantir uma igualdade de oportunidades no acesso ao Ensino Superior. Desenvolve-se um modelo de ‘escola pública democrática’ onde a integração comunitária, a cidadania democrática, a liberdade e a justiça social, articulados com uma ideia de autonomia dos professores e das escolas. Os 'projectos abrilistas' eram generosos e dificieis de obter já que passavam por alterações qualitativas de carácter universal ('escola para todos'), ‘transformistas', isto é, vivem da consciência que não basta as crianças 'estarem na escola' e, finalmente, traduzem um forte cariz emancipatório, altamente reivindicativo, que lhe assegurasse um âmbito nacional universalista e uma ampla equidade na acessibilidade. Este projecto teve avanços e recuos mas não vale a pena escamotear que a escola pública está hoje ameaçada por espúrias concepções aparentemente baseadas na liberdade económica e de pretensas racionalidades ‘economicistas’ que vão custar muito caro aos cidadãos e defraudar objectivos e esperanças prosseguidos – com erros é certo - desde Abril.

O que hoje se anuncia com os ‘vouchers-ensino’ ou ‘cheques-escola’ ou qualquer outro nome que venham a adquirir, não podem existir dúvidas, de que se trata de um elaborado projecto neoliberal para a educação, centrado na ideia de avaliação externa das escolas e dos professores, na liberdade de escolha parental das escolas, na (livre) concorrência que se pretende paritária entre um sector constitucionalmente consagrado como central e um outro (o privado e/ou o cooperativo) que seria meramente complementar presentemente hoje já regido por uma plêiade de contratos: de associação, de desenvolvimento, de cooperação e de patrocínio. O que se está a propor - sejamos claros - é tentar transformar o sistema escolar público num 'mercado da educação'.

Na verdade, esses cheques são mais uma hipoteca sobre o futuro dos portugueses, nomeadamente dos jovens, caminho que este Governo está a concretizar em todas as frentes. Faltava agora associar a vertente educativa para que os ‘estragos’ sejam mais pesados, dolorosos e duradouros…

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