D. Manuel III e a sé de Lisboa


Começou mal a patriarcar a sé de Lisboa o Sr. D. Manuel III, da dinastia dos Manuéis. A missa era a peça de abertura do espetáculo pio que lhe cabia abrilhantar no coliseu da fé – o Mosteiro dos Jerónimos. Bastavam os pios funcionários de Deus a brilhar nas vestes femininas, com que têm o hábito de se travestir, para transmitirem o colorido exótico de que a missa precisava para refulgir na televisão a cores.

O paradoxo esteve na assistência. Eram restos do governo morto, com um presidente em estado terminal. Eram primeiras figuras do Estado laico a tornarem-se as últimas de um regime que teimam em inumar. Eram homens e mulheres que juraram respeitar a CRP, a pôr as mãos, a fazer flexões a toque de campainha, a balbuciar orações ao ritmo da peça, de joelhos, como apraz à fé, e de rastos como gostam os padres e se destrói a laicidade e a honra.

Alguns, de olhos vagos e esgares medonhos, afocinharam junto à patena que protegia o cálice donde saíram hóstias transubstanciadas por sinais cabalísticos do último Manuel, sem que o alegado sangue se visse a pingar da comissura dos beiços ou se adivinhasse a carne a errar pelo aparelho digestivo e a fazer o trânsito intestinal.

O Manuel e acompanhantes foram recebidos com palmas. Foi a primeira vez, depois de tanto tempo, que insultos deram lugar aos aplausos, no ambiente lúgubre que a luz das velas tornava mais tétrico. Quem desconheça os hábitos canónicos há de ter pensado que a joia arquitetónica do templo se convertera numa casa de alterne e que a estrela do espetáculo era a primeira bailarina.

Não foram os incréus que desonraram o espetáculo pífio, foi o bando subserviente que, ao prestar vassalagem a uma religião particular, cobriu de opróbrio o Estado e a Igreja.

À falta de colunas vertebrais salvaram-se as colunas de pedra do esplendor manuelino, a ossatura da joia arquitetónica que, no espetáculo de abertura do novo gerente da Sé de Lisboa, foi convertida num circo para arlequins mediáticos.



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