Fátima, Conselho de Estado e sentido de Estado


Por mais vergonha que os católicos sintam da instrumentalização da Senhora de Fátima a respeito das decisões da troika, só podem queixar-se de si próprios e do clero que usou três inocentes pastorinhos para o combate contra a República, primeiro, e o comunismo, depois.

Ainda hoje, esquecidas as piruetas do sol, a aterragem do anjo no anjódromo da Cova da Iria e as acrobacias da Virgem no cocuruto das azinheiras, o local goza da promoção do Vaticano e é viagem obrigatório dos papas de turno. Não admira, pois, que as angústias e medos dos portugueses encontrem no joelhódromo de Fátima e na imensidão da maior área coberta da fé – a nova basílica –, a calma que falta numa sociedade torturada pelas inquietações do presente e o desespero quanto ao futuro.

Surpreendente é a invocação da influência de Fátima nas decisões da troika por Cavaco Silva, não na qualidade de um crente em conversa com a mulher, mas na função de PR de um país laico, em declarações aos portugueses.

Compreende-se agora melhor como a cegueira da fé pode perturbar o dever das funções, como foi possível não evitar o apelo à troika, em 2011,podendo deixar-nos a fazer frente à crise sem necessidade de hipotecar a soberania, como sucede com a Espanha, e evitar, com sentido de Estado, o assalto ao poder por esta direita na qual só um crente exaltado confiaria.

Com a dívida incontrolável, o desemprego imparável, a recessão a acelerar, os impostos a dispararem, a emigração a servir de refúgio e o Governo balcanizado, o PR convoca o Conselho de Estado, primeiro através de fuga de informação por um conselheiro, e por emails, depois, para discutir o pós-troika, já perante a inevitabilidade da renegociação com a troika em 2014.

No ambiente surrealista criado só faltava a incompetência da dispendiosa Casa Civil do PR, esquecida da coincidência de datas entre o Conselho de Estado e as comemorações do Dia da Região Autónoma dos Açores, um dia em que Vasco Cordeiro terá de optar entre a presidência das comemorações da sua Região e a estreia no Conselho de Estado.

Viver em Portugal, com Cavaco e Passos Coelho, é como viver em Constantinopla, em 1453, e assistir à discussão do sexo dos anjos com a troika cá dentro. Não desejo ao PR a sorte que os turcos otomanos destinaram a Constantino XI. Os soldados da troika são mais subtis e menos seletivos.

Comentários

e-pá! disse…
Todos os dias somos confrontados com 'miraculosas' revelações a acrescentar ao que todos os portugueses já 'toparam'.
Ontem, o Conselho de Estado terá divagado sobre hipotéticos cenários. O ardil é pouco 'esperto'.
O PR tentou comunicar ao País que suportará este Governo até junho do próximo ano. Mais uma vez entrou em rota de colisão com a realidade que, afanosamente, pretende esconder.

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