Bailout em Chipre: a factura lusa…

Passadas as ondas de choque imediatas voltemos à questão do resgate do Chipre, do confisco das contas bancárias e tentemos equacionar previsíveis e imediatas consequências em Portugal.

Este incompreensível e leviano procedimento constitui um pesado choque na globalidade da política financeira e fiscal europeia. Na verdade a UE vivia desde o final do Verão passado - quando Draghiameaçou’ intervir nos mercados secundários link – um período de relativa e efémera acalmia que serviu, por exemplo, para Passos Coelho e Vítor Gaspar se vangloriarem de uma feliz ‘ida aos mercados’, em despudorada apropriação de um êxito que, na verdade, não lhes pertencia.

A resolução do Ecofin deste último fim-de-semana deu cabo dos esforços do Banco Central quanto à estabilização da zona euro de uma maneira desvairada e abrupta. Se já tínhamos a noção que Mario Draghi, sozinho, não conseguiria ‘salvar’ o euro, a partir de agora temos a certeza de que os políticos europeus lhe passaram uma ‘rasteira’, torpedeando esses esforços. Mais, é totalmente irresponsável que Portugal (representado nessa reunião por Vítor Gaspar) tenha dado o seu agreement a este tipo de bailout quando o nosso País se encontra sob as terríveis condicionantes de um ‘programa de assistência financeira’ e exposto a todas as voracidades do capital financeiro. Se existisse necessidade de provar o servilismo deste Governo não seria necessário procurar mais.

Num ápice destruiu-se a confiança no sistema bancário europeu, esteio fundamental da moeda única (euro). Mas as consequências não ficam por aqui: o risco de contágio é elevadíssimo e será de esperar uma massiva fuga de capitais dos países da eurozona, retirando liquidez às economias (já debilitadas). Na ânsia de capturar uns projectados 5.000 milhões de euros ‘esmagaram-se’ os pequenos aforradores para quem qualquer cêntimo conta. Depois deste dislate financeiro e deste expurgo fiscal os políticos europeus deveriam ser proibidos de falar em 'poupanças'.

Os ‘mercados’, que passam a vida a antecipar cenários, nos próximos dias farão as contas e deduzirão consequências relativas a um inevitável empolamento da crise de confiança nas instituições financeiras (que larva desde os subprimes e da falência do Lehmon Brothers). Todavia, a crise não se detêm no campo financeiro e invade de modo devastador o terreno político. A saloia e indecente manobra de tentar aplicar no Chipre uma taxa de 6,75 % sobre o valor dos depósitos até 100 mil euros e de 9,9 % para depósitos acima daquele montante, se o Parlamento cipriota amanhã o aprovar (o que ainda não é líquido), pura e simplesmente, inviabiliza a União Europeia.

Não seria de estranhar que Chipre comece a fazer marcha atrás em relação ao projecto europeu e acabe – a curto prazo - abandonando a UE, abrindo com este gesto um mar de incertezas e de nefastas consequências com um alcance imprevisível (até para os senhores e as senhoras do Ecofin).

Deste modo, devem os portugueses interrogar-se se serão coerentes, justos e necessários os tremendos sacrifícios que têm sido impostos com o fim último de permanecer no Eurogrupo, uma colectividade de Estados em vias de desmembramento, devido à inépcia de uns políticos e aos insaciáveis e apressados apetites do capital financeiro dos Países do Norte e Centro da Europa. Mais, as turbulências que este inqualificável saque poderá provocar nos mercados (bolsistas e da dívida) podem comprometer o antecipadamente ‘festejado’ regresso aos mercados de Portugal. E de uma penada o Governo de Passos Coelho será esvaziado do único facto positivo que pretendia exibir no contexto do programa de ajustamento. Gaspar deveria saber que um mal nunca vem só. E que mais cedo do que tarde a factura desta iniquidade lhe poderia bater à porta.

Hoje, o emudecido e ausente Presidente da República – em piedosa peregrinação pelo Vaticano – resolveu inusitadamente apelar ao bom senso link, ingrediente que não tem exibido em relação à dramática situação nacional. E o distante Governador do BdP apressou-se a declarar que a tributação extraordinária que foi decidida em relação Chipre, não se aplica a Portugal link.
É assim: nós não somos a Grécia, não somos o Chipre, etc. Onde existirem problemas, nós não somos. Talvez não sejamos nada, nem ninguém. Ou então, talvez sejamos os ‘romeiros’ da Europa.

As únicas coisas que podemos assumir ainda ser entroncam-se na cega fidelidade à Srª. Merkel e ao Sr. Schäuble. De resto, promotores da selvajaria que entranha e empesta este baillout cipriota. Não é um grande cartão-de-visita. Aliás, a postura deste Governo no concerto das Nações e mesmo no espaço europeu, só nos envergonha...mas disso a Frau Merkel não tem culpa. É só beneficiária!

Comentários

e-pá! disse…
Apostila:

Afinal o Eurogrupo (Ecofin) terá recuado passados 2 dias (hoje) e agora pretende garantir os depósitos inferiores a 100.000 euros …link .
Uma ‘pirueta’ que não consegue apagar a monumental asneira. O mal está feito. Reverter é impossível.
Chipre apostou em ser uma ‘praça financeira’ que rapidamente foi colonizada pelas oligarquias russas, com o aval da UE, que aceitou este País na Eurozona em 2008.
Suceda o que suceder uma coisa é certa: os pobres e a classe média vão ser os bodes expiatórios de um eventual resgate financeiro a acertar para o Chipre. Sempre foi assim.
E os grandes grupos económicos e financeiros mudam de poiso e continuam a lucrar num qualquer paraíso fiscal. Simples, barato e dá milhões.
Só que desta vez exibiu um ‘gato escondido com o rabo de fora’… E estes malabarismos não se esquecem!
Os piores adversários da moeda única não teriam feito melhor!

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