Questões orçamentais, problemas constitucionais e luta política…

Perante a “aquosa” (não por ser límpida e transparente mas insípida, inodora e incolor) mensagem de Ano Novo do Presidente da República, que de certo modo é o resultado das contradições em que se enredou após publicamente ter criticado a equidade fiscal das medidas preconizadas, Cavaco Silva, ao promulgar o OGE 2012, sem suscitar a verificação da constitucionalidade de algumas das medidas aí inscritas, perdeu a face, ganhou dependências e desprestigiou o cargo. Ao fim e ao cabo desautorizou-se a si próprio. Todavia, só os incautos poderiam esperar outra coisa.


Neste momento, o assunto em questão é a Esquerda parlamentar provocar (avocar) a fiscalização sucessiva da constitucionalidade do OGE, medida aparentemente formal, que poucos acreditam poder comprometer a execução orçamental, mas que poderá pôr à prova o Tribunal Constitucional e, mais do que isso, permite a esta distanciar-se do macabro projecto da coligação de Centro-Direita que visa o empobrecimento do País, como saída “irremediável” (sem “alternativas”) para debelar a crise da dívida soberana e para o controlo do défice orçamental.

Inusitadamente, o Partido Socialista que durante a discussão do OGE se bateu - de forma algo errática - pela eliminação de algumas das gravosas medidas à volta da "questão da almofada” orçamental (presente ou ausente), no momento da verdade, enreda-se (também) em questiúnculas internas que traduzem uma insanável clivagem entre deputados oriundos da anterior direcção política e o actual Secretariado nacional (link).
Mas, pior, para os portugueses, apresenta o espúrio argumento de que, ao suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade do OGE 2012, estaria em contradição com a abstenção assumida na AR, apresentando-se "amarrado" de pés e mãos a todas as interpretações e sucessivos updates desse documento.

No entanto, esta deriva interna (link) deixa transparecer para o exterior que o facto de ser um dos subscritores do memorando de entendimento assinado com a troika, lhe tolhe movimentos, afundando o partido em hesitações, comprometendo deste modo qualquer papel relevante enquanto força política opositora à actual coligação governamental.
Perpassa pelo País a derrotista noção de que a este passo (enviar o OGE ao TC) é uma atitude formal. Poderá ser assim, mas apesar disso, não deixará de transformar-se numa atitude carregada de significado político. Na verdade, o País precisa de sentir que tem uma Oposição variada no seu conjunto, aquilo a que se designa por “as Oposições” que, perante o descalabro das políticas austeritárias e recessivas do actual Governo, não dormem, nem adoptam uma atitude conformista e passiva.
As Oposições (todas!) necessitam de mostrar publicamente estarem empenhadas numa intransigente defesa do regime democrático que, como sabemos, enfraquece sob o seu apagamento ou resignação.

E, para além disso, parece já ter chegado o momento de mostrar que a actual coligação governamental, para a persecução das “suas” soluções, nomeadamente, para o pérfido desígnio de “ir além da troika”, deverá contar – exclusivamente – com as suas próprias forças. Que não têm qualquer tipo de solidariedade política. Em assuntos desta gravidade, profundidade e condicionadores do nosso futuro colectivo não poderão prevalecer quaisquer tipos de atitudes pragmáticas, em detrimento de posições políticas claras e determinadas.

Sucintamente, trata-se de, politicamente, isolar os actuais profetas da redenção através do empobrecimento global (material, ético e político).

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