AINDA O "MULTICULTURALISMO"

Em resposta a um comentário meu, o nosso colega de blog Rui Cascão saíu em defesa do "multiculturalismo", que considera "incontornável na actual sociedade globalizada. Não só incontornável mas desejável".

Tendo em conta os limites que Rui Cascão assinala ao multiculturalismo, não me parece que a minha posição seja muito diferente da dele. Sempre fui cosmopolita, cidadão do mundo, humanista, liberal, tolerante e defensor da diversidade cultural, desde muitas décadas antes de inventarem o multiculturalismo. Quase poderia dizer, como aquele célebre personagem de Molière, que há cinquenta anos que sou multiculturalista sem saber!

Em princípio, portanto, nada teria contra esse multiculturalismo. O problema é que certas pessoas que nunca tiveram nada de multiculturalistas -hoc sensu- servem-se abusivamente dessa palavra para defender posições inconfessáveis. De há uns - poucos - anos a esta parte tenho visto empedernidos marxistas-leninistas e outros intolerantes dogmáticos e ortodoxos travestidos de "multiculturalistas", sem no entanto abandonarem por pouco que seja a sua ortodoxia. (Diga-se de passagem que sou muito amigo, e há muitos anos, de alguns deles, mas...amigos, amigos, política àparte!). Ora o que é que essas pessoas defendem? Que os europeus possam beber álcool e comer chouriço nos países de maioria muçulmana? Nâo! Que as europeias possam andar de mini-saia no Irão? Nunca! Que na China passem a ser respeitados os mais elementares direitos humanos? Também não! (Até consideram que a atribuição do Prémio Nobel da Paz a um humanista chinês foi uma intolerável ingerência da Europa nos assuntos internos chineses!).

Então que defendem eles? Muito simplesmente e apenas que nós na Europa deixemos os muçulmanos viver como nos países deles, escravizando as mulheres, degolando os apóstatas,apedrejando as adúlteras, mutilando genitalmente as filhas (já se sabe que nem todos o fazem), etc. Isto é: que na Europa passe a vigorar a sharia, pelo menos para os muçulmanos. Esses multiculturalistas são acérrimos inimigos da Europa e não menos acérrimos defensores do Irão, quando a Europa é mil vezes mais multicultural que o Irão!

É contra estes pseudo-multiculturalistas (dos quais estou certo de que Rui Cascão não faz parte, mas que são a maioria dos que vejo pregar o "multiculturalismo") e contra este "multiculturalismo" unilateral e sem limites que eu me insurjo.

Comentários

e-pá! disse…
Caro AHP:

Interessante e actual este tema.

Na UE temos em quase todos os países (alguns países de Leste europeu poderão estar "recuados" devido à bipolaridade que existiu no séc.XX até à queda do muro de Berlim) sociedades multiculturais o que é diferente de multiculturalismo, i.e., o modelo que regula essas sociedades.
Os países europeus sempre foram espaços multiculturais, existindo aqui ao nosso lado, o caso da Espanha um exemplo paradigmático dessa situação...
Hoje, a situação dessas sociedades europeias modificou-se. Tornaram-se, a par de sociedades multiculturais, sociedades poliétnicas. Isto tem a ver com os fenómenos migratórios e com a livre circulação de pessoas no espaço europeu.
O multiculturalismo nasce da necessidade de manter nos territórios coesão social e cultural. E daí o chamado processo de "integração" (respeito pela diferença). Grande parte deste processo baseia-se em discriminações positivas de minorias étnicas, logo, culturais. E, de facto, este tipo redutor de integração poderá conduzir a situações de conflito cultural (e social), no diz respeito, ao conceito europeu (e universalista) de Direitos Humanos.
O processo deveria ser outro: o "reconhecimento" das diferenças em simultâneo com a defesa intransigente da dignidade humana (como a entendemos na Europa no pós-Revolução Francesa). Essa dignidade humana é inerente ao código de liberdades individuais.
É aqui que o multiculturalismo entra em conflito com as sociedades europeias, digamos, tradicionais. O multiculturalismo existente (na UE) pretende substituir essas liberdades individuais em favor de concessões comunitárias.
E aqui começa a grande controvérsia.
Na verdade, este debate está por fazer. E em tempos de crise económica e financeira será difícil fazê-lo. Todavia, os acontecimentos de França (2005), Noruega (2011) e Grã-Bretanha (2011) poderão apressar este inadiável debate...

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