Wikileaks, espiões e segurança mundial

Mais de 250.000 documentos reservados, confidenciais ou secretos, difundidos através da Wikileaks, ridicularizam e comprometem os Serviços dos EUA no Exterior que os enviaram ao Departamento de Estado.

Seria candura pensar no carácter benemérito do denunciante e ver um acto de cidadania na acusação, apesar das maldades que várias administrações, especialmente a de Bush, fizeram ao mundo. O Império tem crimes que urge julgar e que a investigação criminal dos EUA apenas quer ocultar e, impotente para os esconder, vingar-se do mensageiro.

Os meios de comunicação cumprem o seu papel mas os autores que revelaram os crimes talvez não possam ser considerados heróis e, muito menos, beneméritos. Resta saber o que os motivou, para correrem riscos pessoais tão graves, sabendo da tempestade que desencadeavam e da alteração da correlação de forças mundiais que podem provocar.

Passada a guerra fria está em curso a definição de uma nova geometria política em que a China corre para a hegemonia que há muitos anos pertence aos EUA, não hesitando em dar cobertura às teocracias do Golfo, verdade seja dita, como tantas vezes foi feito pelos que agora vêem desmascaradas as suas manobras.

Recuso ver apenas vilões de um lado e causa-me perplexidade que este escândalo tenha lugar quando a América tem o mais humanista e menos belicista presidente das últimas décadas.

Dizer que só a verdade é revolucionária é um slogan que pode aliciar muita gente mas, antes, é importante conhecer os objectivos da denúncia, a oportunidade, os beneficiários e saber quem esteve por trás deste escândalo de consequências incalculáveis.

Entre os EUA e a China e entre Obama e Ahmadinejad, prefiro os primeiros.

Comentários

e-pá! disse…
CE:

O leitmotiv dessa "operação Wikileaks" continuará, penso eu, durante muitos anos por esclarecer.
Mas esta é uma pequena parte de uma enorme questão.
O que está à vista - e não é pouco - não foi, entretanto, desmentido pela Administração norte-americana.

O argumento para contestar esta [e as anteriores] divulgação[ões] de documentos é que a atitude dos responsáveis pela WikiLeads pode comprometer a "máquina" de informações que os EUA mantêm no Exterior. Argumento de pouca monta porque "feitos" deste calibre são dificilmente explicáveis à luz do Direito Internacional e, o mais grave, atentatórios da privacidade dos cidadãos. Todos - enquanto cidadãos em pleno gozo da plenitude das garantias cívicas - temos direito a ter uma vida privada discreta, protegida e, portanto, não "espiolhada".

Este monstruoso Big-Brother viola os direitos individuais dos cidadãos, sejam eles quais forem. Ao não reconhecermos os mesmos direitos para todos, perdemos a autoridade de exigir que todos os respeitem.

A Administração norte-americana não se disponibilizou para averiguar sobre a qualidade e a limpidez dos métodos utilizados e sobre quem recaíem as responsabilidades nos diversos níveis.
Espionar o Secretário-Geral da ONU não um facto político menor. É duvidar da própria sombra...

Qual a atitude americana? Sofisticar os meios de comunicação para que as informações colhidas não serem acessíveis.
Significa isto que o "processo" vai continuar...Passou pelo crivo da respeitabilidade [interna], foi, tacitamente, aprovado. O que para um cidadão livre é inadmissível.

Na verdade, em questões com esta - que bulem com a segurança individual de cidadãos - não tenho de fazer escolhas desse tipo: China/EUA; Obama/Ahmadinejad.

Tenho de exigir que no Mundo Livre haja com transparência, dignidade e no respeito pelos Direitos Humanos.
Califados, sultanatos, teocracias, ditaduras, etc., são aberrações vivas e [por vezes] poderosas que perturbam - de outro modo - a segurança. São "outro" Mundo. Isto é, não só violam direitos [individuais e colectivos] como comprometem a Paz.
Têm outra génese, indignas motivações, dimensão e interesses próprios. Vivem de servidões. Não respeitam o Homem e ignoram a Humanidade.

Mas a abissal diferença que separa os diversos [e distintos] "Mundos" será sempre a mesma: A Liberdade.
Os EUA não puseram em causa a Liberdade. Desviaram-se da rectidão, usaram métodos pouco dignos. Não devemos justificar os erros sob o manto de "interesses", mesmo que sejam a segurança.
A Liberdade é maior que a Segurança.
e-pá! disse…
ERRATA:

Onde se lê:

"Tenho de exigir que no Mundo Livre haja com transparência, dignidade e no respeito pelos Direitos Humanos."

Deverá ler-se:

"Tenho de exigir que no Mundo Livre aja com transparência, dignidade e no respeito pelos Direitos Humanos.
Caro E - Pá:

Como temos pontos de vista diferentes, salvo na gravidade da violação de direitos pelos EUA, vale a pena fazeres um post sobre o assunto.

O Ponte Europa é plural e, sobretudo, defende a democracia.

É por temer que, por trás desta denúncia, possa estar uma cilada contra os regimes democráticos, que eu sou céptico sobre quem terá estado na origem da denúncia dos crimes.
e-pá! disse…
Caro CE:

Vamos dar tempo ao tempo...

Penso que todos precisamos de melhores informações!
Anónimo disse…
États-Unis, deux siècles d’histoire de sang et de brutalité - par Peter Dale Scott et Robert Parry - em http://www.internationalnews.fr/categorie-10187693.html
Não tenho informação suficiente sobre o assunto concreto em causa. Mas parece-me que todas as embaixadas de todos os países, mesmo aqueles que, como Portugal, não são grandes potências, fornecem informações aos seus Governos sobre os governantes e as políticas dos países onde estão instaladas. Essas informações são supostas ser secretas, o que faz com que os informadores usem por vezes linguagens ou façam considerações muito pouco "diplomáticas". Poderão dizer, por exemplo, coisas do género "Sarkosy é um pateta", "Berlusconi é um mulherengo" "a mulher do presidente X engana-o com o ministro Y", etc.. È claro que se estas coisas, ditas na suposição de que se manterão sigilosas, vêm a público, isso poderá criar gravíssimos problemas diplomáticos e, tratando-se de coisas mais sérias, pôr em perigo a segurança nacional deste ou daquele país e até a segurança internacional.
Passa-se com isto coisa semelhante à divulgação de escutas de conversas privadas. Toda a gente diz em privado coisas que não pode dizer em público. Quantas pessoas neste país não dirão em privado coisas como "o Cavaco é uma besta" (quem diz Cavaco diz outro político qualquer)? É claro que isso não pode ser dito em público, pois seria uma injúria.Por isso, o que é privado deve ficar em privado, salvo em casos muito excecionais e com justificações muito importantes.
Isto faz-me lembrar um episódio passado em França pouco depois de Maio de 1968. Alguém levou a Conselho de Ministros um papel, aparentemente com planos "subversivos" feitos por uns professores, que estes acabaram por deitar para o caixote do lixo, de onde alguém o foi retirar. A coisa suscitou grande discussão no Conselho sobre o que deveria fazer-se relativamente ao caso, até que De Gaulle, como grande estadista que era, atalhou:"ce qui est venu de la poubelle doit retourner à la poubelle!" (o que veio do caixote do lixo deve voltar para o caixote do lixo!).
e-pá! disse…
O grande problema que este caso WikiLeads levanta será a situação actualmente criada aos cidadãos, ao nível dos seus direitos individuais, e ao Estado, na área da confidencialidade de assuntos diplomáticos e estratégicos [civis ou militares].
A devassa da informação é um grave problema dos nossos dias. Deverá ser discutida abertamente e enfrentada com prudência e equilíbrios mas sempre no pleno respeito pelas convenções internacionais [actuais ou a elaborar para o futuro].

Como conciliar o direito à privacidade dos cidadãos com todos os tipos de intrusão na vida pessoal e privada através de sofisticados meios vigilância electrónica [escutas telefónicas, vigilância com video câmaras e localização com telefones munidos de GPS, etc.]?
Como proteger os Estados da confidencialidade, ou mesmo do secretismo, sobre assuntos estratégicos [militares ou cientificos], da governação [na Administração Interna, nos Negócios Estrangeiros ou mesmo na Justiça] sem cair na prevaricação de violar a privacidade, a integridade, dos cidadãos que exercem cargos públicos?

Como será possível regular este "mercado da informação", sem cair em medidas censórias, como p. exº., as que existem na China em relação ao motor de busca Google, etc.?

Como tornar transparente e controlável este terreno informativo se os "serviços de inteligência" têm "antenas" por todo o lado e, muitas vezes, actuam à margem de qualquer enquadramento legal?

Onde ficará a fronteira que partilha os direitos individuais e a confidencialidade de [algumas] actividades do Estado com as crescentes preocupações de segurança [individuais e colectivas]?

Ou, como todos começamos a aperceber-nos, há algo de novo que mexe com a nossa vida contemporânea e que se movimenta sem qualquer controlo [tanto faz que seja espionagem militar, política, industrial, individual, etc.].

Que garantias têm os cidadãos e as entidades estatais que estão protegidas da utilização meios electrónicos de colheita de informações para processos de pressão, extorsão, chantagem, etc.?

Como concertar estes [legítimos]receios e interrogações com a noção de que o progresso científico tem avançado através dessas "auto-estradas" da informação e, ao mesmo tempo, a modernidade é subsidiária de uma livre troca de dados e intercâmbio de saberes?

Nunca mais acabavamos de colocar questões...
Anónimo disse…
Noam Chomsky: WikiLeaks Cables Reveal "Profound Hatred for Democracy on the Part of Our Political Leadership"
Read more in:
http://www.alternet.org/rights/149032/noam_chomsky%3A_wikileaks_cables_reveal_%22profound_hatred_for_democracy_on_the_part_of_our_political_leadership%22
O resto são reaccionarismos pró-americanos lamentáveis, por parte de gente que se quereria mais empenhada na sua tão apregoada DEMOCRACIA!
Anónimo disse…
Con la publicación por Wikileaks de unos 250.000 documentos diplomáticos "confidenciales", los graznidos de cuervo, los llamamientos a la ética y a la virtud en política están en las primeras planas. Para los Estados Unidos es un "crimen", un ataque contra la Comunidad internacional. Para le Figaro, es un golpe bajo contra América y sus aliados.

La palma se la lleva el ministro italiano de los Asuntos Exteriores, Franco Frattini, para quien ha sido " un 11 de septiembre de la diplomacia mundial "... Conocemos las cualidades política este Señor Frattini que, cuando fue Comisario europeo, se atrevió a proponer la instalación de "centros de clasificación" para los inmigrantes en África...

Podremos discutir mucho tiempo sobre las múltiples cuestiones planteadas con la publicación de estos documentos. Washington habla de crímenes, pero ¿quién comete crímenes hoy en el mundo ? Realmente Wikileaks, ayer y hoy, molesta sobre todo porque muestra con citas y ejemplos los crímenes cometidos con las guerras norteamericanas e israelís en Oriente Medio. Wikileaks es un triste espejo para aquellas y aquellos que pretenden dominar el mundo por la fuerza y con malas artes.
Partido Comunista Francés
30 de noviembre de 2010
In: http://www.humanite-en-espanol.com/
Subscrevo inteiramente e não sou nem nunca fui de nenhum partido, mas considero-me de esquerda, penso que da esquerda genuína, se ainda se sabe o que é isso!?
Francisco disse…
O grupo Wikileaks não é culpado pelo enfraquecimento da democracia.
Cada um deve escolher a sua linha na areia para além da qual fica o inaceitável - os actos da Wikileaks estão bem do lado de cá e felizmente começam a haver mais Wikileaks.
Há uma alternativa difícil mas bem delineada para evitar esse enfraquecimento das democracias.
Dizer que Obama é o presidente dos EUA menos belicista das últimas décadas é dizer quase nada - aliás Obama, em termos de direitos humanos e do cinismo em como aproveitou a confiança depositada nele para trocar as suas posições de durante e depois da campanha eleitoral (sobre tortura e direitos fundamentais como o habeas corpus) é bem mais perigoso e radical que quaisquer desses presidentes das últimas décadas cuja desconfiança os fazia temer as consequências dos seus próprios actos.
Francisco:

Tenho, em relação a Obama, uma posição diferente.
Francisco disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Francisco disse…
(apaguei o de cima por erro flagrante)

Também já me cativaram os discursos do Obama mas ao final de 1 ano de presidência (e depois de muito que fez) preocupa-me muita coisa que escolheu fazer e por contraste o que escolheu não fazer.
Em Junho juntei a tralha e cheguei a isto.
A continuação dos abusos (incluindo tortura e assassinatos sem julgamento), a sustentação do argumentário Bush, nos tribunais, a favor do Patriot Act e a inacção quanto ás leis internacionais quebradas são escolhas claras e objectivas.

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