A alma, essa desconhecida

A alma é um furúnculo etéreo que afecta o corpo dos crentes. É um vírus que resiste à morte e tem direito a transporte gratuito para o domicílio que os padres lhe destinam.

A alma é um bem mobiliário que paga imposto canónico e, à semelhança das acções de empresas, hoje igualmente desmaterializadas, paga avença pela «guarda de títulos».

No mercado mobiliário as acções são transmissíveis e negociáveis. Apesar das fraudes sabe-se que correspondem a avos do capital social de uma empresa. A sua duplicação é burla e conduz à cadeia, salvo quando o Vaticano está implicado e impede a extradição do criminoso, como sucedeu com o arcebispo Marcinkus que JP2 protegeu, após a falência fraudulenta do Banco Ambrosiano.

Quanto à alma, há suspeitas de haver um número ilimitado em armazém, o que exaspera os clérigos, encarregados do negócio, com o planeamento familiar. Não se sabe bem se a alma vai no sémen, se está no óvulo ou se surge através da cópula, um método pouco digno para tão precioso e imaculado bem.

Os almófilos andam de joelhos e põem-se de rastos sem saber se a alma se esconde nas mitocôndrias, nas membranas celulares, no retículo endoplasmático ou no núcleo e nos cromossomas, sem nunca aceitarem que seja o produto de reacções enzimáticas.

Não sabem se é alguma coisa de jeito no ovo, no embrião em fase de mórula ou no blastocito. Juram que aparece no princípio, sem saberem bem quando e onde está o alfa, ou quando aparece Deus a espreitar pelo buraco da fechadura e a arremessar aos fluidos a alma que escusa o entusiasmo de quem ama.

Após o aparecimento dos rudimentos da crista neural, só às 12 semanas o processo de gestação dá origem ao feto e falta provar que a alma, embora de qualidade sofrível, se encontra num anencéfalo ou que é de boa qualidade a que Deus distribui ao fruto de uma violação ou do incesto.

Comentários

e-pá! disse…
...Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu?...

Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego"
José Mestre disse…
A minha alma tá parva... felizmente!

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