Carta aberta ao MNE/GOVERNO/PR

Sobre a possível a admissão da Guiné-Equatorial na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)


Na próxima cimeira da CPLP, a ter lugar em Luanda a 23 de Julho, vai ser discutida a hipótese de entrada da Guiné Equatorial no seio desta organização, composta por 8 países de expressão Portuguesa.
O conjunto de organizações, representantes da Sociedade Civil, que subscrevem esta Carta Aberta gostaria de chamar a atenção para alguns aspectos importantes que pensa serem muito importantes na reflexão que os chefes de Estados dos países da CPLP farão sobre esta questão:
A Guiné Equatorial é o 3 país mais pequeno da África Ocidental, e tem actualmente o rendimento médio per capita mais elevado de toda a África Subsaariana (com valores semelhantes aos de Itália). No entanto este indicador económico, aparentemente positivo, que se deve sobretudo à exploração dos recursos petrolíferos do país descobertos no inicio da década de 90, não chega para esconder o facto de mais de 70% da população do país (cerca de 650 mil habitantes) viverem abaixo dos padrões de pobreza extrema definidos pela ONU (menos de dois dólares por dia). E, de acordo com diversos relatórios internacionais, o exponencial aumento das receitas do país não teve como consequência a melhoria das condições de vida das populações, uma vez que a maioria dos rendimentos da venda do petróleo foram ilegalmente distribuídos pela elite política dominante[1].
A Guiné Equatorial é, formalmente, uma democracia constitucional, mas em todos os processos eleitorais ocorridos nos últimos anos, foram apontadas como pouco livres e a legitimidade dos seus resultados é posta em causa por não existir qualquer órgão independente de supervisão no país. Muitos analistas políticos consideram que estas eleições[2] servem apenas para perpetuar o poder político de Teodor Obiang, presidente do país desde o golpe de Estado de 1979.
O contraste extremo entre o nível de pobreza da maioria da população e as fortunas pessoais dos detentores dos principais cargos políticos, incluindo o presidente do país, fortunas essas que foram construídas à custa do desvio dos rendimentos do petróleo[3] (como é comprovado por vários relatórios internacionais), é uma das provas concretas da corrupção que se encontrada institucionalizada na Guine Equatorial. Em 2009 a Guiné equatorial ocupou a posição nº 168 (em 180 países) no Índice internacional de corrupção publicado anualmente pela organização Transparency Internacional[4].
Os últimos relatórios da organização Freedom House[5] incluem a Guiné Equatorial como um dos 9 países de todo o mundo em que são mais notórios os abusos aos direitos humanos e à liberdade de expressão.
É por isso claro que apenas a incompetência e corrupção das entidades governamentais pode explicar a falta de evolução positiva nas condições de vida da população do país. Por exemplo, de acordo com a Human Rights Watch, apesar da subida continua nos últimos anos dos valores do Produto Interno Bruto, os indicadores relativos à educação primária e à assistência médica têm vindo a deteriorar-se cada vez mais.
A possível entrada da Guiné Equatorial como membro efectivo da CPLP terá, sem dúvida, aspectos muito positivos para o seu regime político. Seria, por exemplo, um forte argumento político para suportar a ideia que o país é reconhecido internacionalmente como uma democracia efectiva e um parceiro político importante. Permitirá também ter acesso a importantes programas de intercâmbio em diversas áreas económicas e sociais importantes. Percebe-se pois o oportunismo político de instituir o Português como língua oficial, condição necessária para cumprir um dos requisitos exigidos pela CPLP para considerar um país como seu membro oficial.
Manter regimes políticos ditatoriais completamente isolados politicamente não será certamente o melhor contributo para a sua democratização. Mas também não o será acolher a Guiné Equatorial como membro efectivo de uma organização como a CPLP, sem impor quaisquer condições relativamente aos abusos flagrantes da liberdade de expressão e à comprovada repressão da sociedade civil do país.
Como acontece com a maioria dos países da África Ocidental, podem efectivamente encontrar-se justificações históricas que fundamentem a adesão efectiva da Guiné Equatorial à CPLP. A abertura desta organização a outros países pode ser um caminho para criar nela um maior dinamismo e promover a cultura lusófona de uma forma ainda mais activa.
No entanto, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, sem quaisquer pré-requisitos formais e substantivos de liberalização política e de canalização das receitas petrolíferas para a melhoria efectiva das condições de vida do país, acabará apenas por servir para ajudar a legitimar o seu regime ditatorial.
Neste sentido, vimos propor à Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP as seguintes recomendações:
1- Que sejam estabelecidos pré-requisitos formais e substantivos de liberalização política e de canalização das receitas nacionais para a melhoria efectiva das condições de vida das populações dos países candidatos à CPLP, ao abrigo dos princípios orientadores de Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social e de Promoção do Desenvolvimento consagrados nas alíneas e) e g), respectivamente, do No. 1 do art. 5º dos Estatutos da CPLP;
2- Que as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos Direitos Humanos sejam promovidas entre os seus membros e se espelhem nas actividades e estratégias de alargamento e aprofundamento da organização ao abrigo o No. 2 do art. 5º dos Estatutos da CPLP;
3- Que o estatuto de Observador atribuído ao abrigo do art. 7º dos Estatutos da CPLP seja reconsiderado em função do progresso obtido nos 3 domínios em questão – i) melhoria das práticas democráticas e de boa governação; ii) melhoria do funcionamento do Estado de Direito e da defesa dos Direitos Humanos; e iii) melhoria das condições de vida das populações – podendo ser revogado por deliberação da Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP;
A entrada da Guiné Equatorial na CPLP, sem que haja garantias sobre o cumprimento dos princípios orientadores consagrados nos Estatutos da CPLP, tem consequências devastantes para a credibilidade da comunidade na política internacional a 3 níveis:
1- Desprestigia o nome CPLP junto da comunidade internacional;
2- Reforça a legitimidade internacional do regime ditatorial da Guiné Equatorial às custas da qualidade de vida das suas populações;
3- Reduz os incentivos à cooperação entre os estados-membros da CPLP no sentido de promover as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos Direitos Humanos e por conseguinte sobrevaloriza o progresso efectuado nesse domínio por países da Comunidade, tais como Cabo Verde e Moçambique.”
Perante este contexto, acompanhando as posições recentemente assumidas por importantes organizações internacionais como a UNESCO, vimos por este meio apelar aos chefes de Estado dos países da CPLP que não deixem esquecer o contexto social que caracteriza a Guiné Equatorial e que não permitam que, a nível internacional, a CPLP passe a ideia que dá primazia às questões de interesse económico, esquecendo os objectivos políticos e sociais que devem pautar este tipo de organização.
Esta carta é subscrita pelas seguintes organizações:
- Plataforma Portuguesa das ONGD
- Transparência e Integridade, Associação Cívica
- Centro de Integridade Pública – Moçambique
- Liga Guineense de Direitos Humanos

Comentários

Graza disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Graza disse…
Para que exista uma comunidade têm que existir alguns valores comuns respeitáveis, identitários, em torno dos quais se decide o compromisso comum. Estabelecer um acordo sem esses valores reunidos, pode chamar-se-lhe o que bem entendermos, também comunidade, porque não? Mas nunca a teremos certamente dessa forma.

Há um cimento agregador dos povos que vai além da Lingua, mas que só a Lingua potencia. Querer inverter a fisolofia que está na base desta comunidade que acredito um dia pode ser bonita, pode ser a introdução de um elemento que vai potenciar a sua desagregação. Só os povos da CPLP choraram o drama de Timor e poucos no mundo exultaram com a libertação daquela Nação, e isso não foi por acaso.

Nem se trata do medo de colocar em risco a credibilidade da existência de uma Comunidade, apenas para facilitar movimentações no xadrez politico de alguns, mas porque a base da criação desta Comunidade, feita à sombra da Lingua portuguesa, passou a transcendê-la, porque foi ditada pelos afectos que só a convivência histórica possibilita. Os povos da CPLP não entenderão as razões desta iniciativa.

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