A EXCEPÇÃO E A REGRA

O País tem sido fustigado por sucessivas excepções. São regimes excepcionais, medidas excepcionais, impostos excepcionais, transições excepcionais, catarses excepcionais, etc.

O chorrilho de excepções tem assentado numa dúbia justificação: fazer face a uma situação excepcional.

Outra visão será que as circunstâncias são, de facto, excepcionais, mas a crise não o é. Esta será estrutural, portanto, mais profunda, sistémica. Logo, impossível de resolver [ou de reverter] com excepcionalidades.

Mesmo considerando a precariedade destas “respostas”, assistimos - na construção destas múltiplas excepções - a autênticos “tiros nos pés”.

O acordo PS/PSD sobre um ultrapassado [à nascença] Programa de Estabilizado e Crescimento [PEC] incluía um item “moralizador “ - a redução de vencimentos [em 5 %] dos titulares de cargos públicos.
Mais uma medida excepcional cujo rebate na crise era simbólico em termos económico-financeiros. Muito mais em termos sociais.

O ministério das Finanças nunca se deu a trabalho de informar os portugueses sobre o rebate [em termos percentuais] desta medida na contenção da despesa do Estado. Na verdade, tal esforço não era necessário pois, todos sabemos que os valores em causa são, na gíria economicista [contabilística], "peanuts". Residualmente só se aproveitava o conteúdo pedagógico.
Mas a enorme clique que parasita o aparelho de Estado – assessores, adjuntos, consultores, etc. – ficou de fora. O que tornou uma medida simbólica [excepcional] numa fatídica quimera.

O poder político [e necessariamente os seus titulares], neste particular [ia a dizer “excepcional”] momento, sob um rígido e implacável escrutínio dos cidadãos, convocados [obrigados] a contribuírem com medidas de alcance universal [sem excepções] – como é, p. exº., o caso o aumento de todos os escalões do IVA – não pode isentar-se desta universalidade.

Se a intenção era – com a redução em 5% dos vencimentos - transmitir uma [boa] imagem de participação dos políticos no esforço colectivo de redução da despesa do Estado, essa pretensiosa ilusão [hoje podemos falar assim], cirurgicamente amputada, politicamente, abortou.
A subtil destrinça entre políticos e quadros técnicos de nomeação política – alguns [quase todos] veiculados à “confiança política” – será antes um exercício epistemológico. E, neste campo, este rudimentar exercício vale – para o vulgar cidadão – zero.
Pior, fornece substanciais argumentos no sentido de potencializar subterrâneas indignações acerca de uma justa e equitativa repartição da austeridade [mesmo a simbólica].

O “Estado de Excepção” – como definiu o filósofo Giorgio Agamben - é um acontecimento casual [efémero e incerto], manifestando-se em momentos excepcionais e tem como finalidade a salvaguarda [da estrutura, da imagem, do futuro, da sobrevivência…] do próprio Estado.
Ontem, na AR, aconteceu o inverso.
A sensação [a imagem] residual é de estarmos perante uma inversão de valores.
Como nos ensina a Dialéctica, tão habilmente utilizada por Brecht, a regra foi aplicada, a excepção seria [conseguir] cotizá-los.

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