Cavaco Silva e fiscalizações “selectivas”…

“O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas dos artigos 1º, 2º, 4º e 5º do Decreto nº 9/XI da Assembleia da República, que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.” in site da Presidência da República.

Como nota introdutória é necessário reconhecer que o casamento homossexual não é uma questão consensual e levantou alguma polémica no seio da sociedade portuguesa, como de resto, costuma acontecer nas situações de ruptura com o passado.

Sectores mais conservadores sociedade portuguesa que actuam, directa ou indirectamente, na dinâmica de definição das políticas sociais e cívicas sustentam - baseados em premissas eufemísticamente denominadas de “defesa da família tradicional” – a inoportunidade do Decreto nº 9/XI da Assembleia da República, quando não, a sua liminar recusa, baseada em preconceitos, decorrente da “não-aceitação” de um tratamento equitativo para todos os cidadãos. Muitos desses preconceitos têm por detrás inflexíveis e doutrinárias reacções do foro religioso que, fugindo de uma transparente actuação à luz do dia, escondem-se sob a capa de associações cívicas de intervenção social, como a “Plataforma Cidadania e Casamento”, o “Movimento Esperança Portugal”, etc..

Trata-se de movimentos sobejamente conhecidos dos portugueses pelas suas posições de rejeição daquilo que chamam “reformas fracturantes”.
Já estiveram no terreno quando da discussão da lei sobre a IVG, logo, a sua metodologia não é nova.
Primeiro, tentam achincalhar verbalmente este tipo de iniciativas conotando-as com conceitos que o nosso secular atavismo cultural tornou depreciativos. Às alterações que os novos quadros legislativos visam introduzir, por exemplo, a lei reguladora da IVG, chamaram-lhe, grosseiramente, “a lei do aborto” e a esta nova legislação reguladora do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, é apodada, boçalmente, como “a lei da paneleiragem e da fufice”…
Embora sejam movimentações com subterrâneos laivos de homofobia repetem – “para inglês ver” e incautos ouvirem – que nada têm contra a homossexualidade.
Na verdade, quem, sem ser falso e nem hipócrita, aceita a homossexualidade – como afirmam os cabecilhas destas movimentações - nada terá, também, contra a regulação, por dispositivos legais, dos direitos cívicos referentes a alguns portugueses e portuguesas, com opções sexuais diferentes da maioria.
Em segundo lugar, pretendem desvirtuar a figura do referendo, um dos métodos constitucionais de consulta popular.
Não é admissível referendar direitos cívicos, genericamente, consagrados no texto constitucional e que posteriores actos legislativos vão progressivamente concretizando.
O referendo nas mãos dos animadores destes movimentos não será mais do que um “instrumento” para coarctar, diferindo no tempo, a entrada em vigor da nova legislação sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

O Presidente da República ao enviar para fiscalização no Tribunal Constitucional a legislação que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, pela selectividade como o fez, denuncia uma postura pré-concebida sobre este assunto, que não teve a coragem cívica de assumir e comunicar aos portugueses.
O PR tem dúvidas sobre a constitucionalidade de um Decreto nos itens onde o mesmo introduz inovações que vão de encontro a um alargamento dos direitos cívicos dos cidadãos. Não terá tido dúvidas sobre o artigo 3º. do citado Decreto nº 9/XI da Assembleia da República que, cautelosamente, restringiu a possibilidade desses casamentos auferirem da capacidade de adopção. Isto é, nas normas de "conteúdo restritivo", o seu acordo tácito é manifesto e evidente, o que revela uma nefasta “cultura de reserva mental”.

A adopção por casais homossexuais é, na verdade, um assunto ainda não totalmente sedimentado na sociedade portuguesa. Não por questões relacionados com a liberdade destes casamentos, que o referido decreto da AR introduz mas, essencialmente, por problemas de índole educativa e de “construção” da personalidade dos adoptados.
A meu ver, a questão da adopção por casais homossexuais precisa de melhor avaliação e de maior distanciamento no tempo, que passará por uma aferição de resultados nos Países que já a instituiram. Esses Países funcionarão, assim, como case study para essa, necessária, avaliação.
O art. 3º. será, assim, uma disposição em aberto, cautelar, fundamentada no legitimo receio dos legisladores em regulamentarem factos ou situações que, neste momento, não estão cabalmente avaliados em todas as suas consequências educativas e sociais.
Mas, para a generalidade dos portugueses e das portuguesas, esse artº. 3º. - quando se observa globalmente o Decreto nº 9/XI da Assembleia da República - será o item que, constitucionalmente, poderia levantar maiores dúvidas por restringir aos casais homossexuais direitos que estão legalmente consagrados aos casais heterossexuais.
Poderá existir aqui uma iniquidade que fere a igualdade de direitos de cidadania? Esta será a dúvida do um vulgar cidadão. Esta, também, deveria ser a dúvida do Presidente da República.

O PR ao enviar ao TC o citado Decreto da AR, amputado do art.º 3º., denuncia a sua “resistência” ao que, não sendo excepcional na Europa, é inovador em Portugal. Isto é, existem “selectividades” que não são inocentes.

Quanto ao resto, reconheço que o envio deste diploma para fiscalização pelo Tribunal Constitucional é o normal exercício das competências do Presidente da República. Nada mais.
Resta-nos, portanto, aguardar com serenidade o veredicto do TC e que não se utilize o referido artº. 3º. – não fiscalizado pelo TC – para futuras chicanas político-constitucionais...

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides