UNIÃO EUROPEIA: os problemas acumulam-se…


Os meios de comunicação social enfatizam, quase diariamente, a gravidade dos problemas de deficit orçamental e da dívida pública na Grécia e, com alguma regularidade, estabelecem todo o tipo de comparações com Portugal e a Irlanda. Reservam, contudo, um tom crítico mais “doce” em relação a Espanha.
Este é o contexto europeu que está sob a mira dos media.

Todavia, uma outra crise, mais severa e devastadora, atinge as economias dos países do Leste da Europa, na ressaca daquilo que podemos chamar - a “era pós-soviética”.
Estes Países estão, na UE dos 27 e incluídos – com algumas condições e critérios de “latência”- num vasto plano de integração da zona Euro.

Os Países de Leste, que se libertaram da tutela soviética, constituem um incontornável e exemplar case study, que se revela um espelho da “fúria” destruidora do neoliberalismo.


A UE trata-os de uma forma bem diferente do que seria expectável, não os ajudando a integrar-se num tipo de desenvolvimento ocidental (europeu). Pelo contrário, tentam colonizá-los enquanto mercados financeiros e transformaram-nos num relais de virtuais exportações, sempre controladas pelo poder financeiro.
Despojam estes Países das mais-valias económicas e canibalizam a sua mão de obra qualificada (...outro mercado de exportação).

Tomemos como exemplo a Letónia.
Este País sofreu os efeitos da crise de um modo inqualificável. Verificou-se uma diminuição do PIB em cerca de 26% nos últimos anos, O FMI prevê uma queda adicional de 4% o que aproxima a economia da Letónia dos valores verificados na Grande Depressão americana de 1929. Por outro lado, o FMI prevê para 2010 um deficit superior a 9%.
A dívida pública dos letões acumula-se vertiginosamente. Em 2007 representava 74% do PBI. O FMI prevê uma estabilização dessa dívida (em 2014!) na ordem dos 90% do PBI.
Deste modo a Letónia afasta-se, progressivamente, dos requisitos inscritos no Tratado de Maastricht, no que diz respeito aos limites da divida, condição sine qua non para integrar a zona Euro.
Só que o objectivo de integrar a zona Euro sendo a peça fulcral da política económica da Letónia tem "justificado" severas medidas de austeridade, no sentido de possibilitar, ao Banco Central da Letónia, estabilizar a moeda. Desviam-se investimentos indispensáveis ao desenvolvimento económico para servir políticas monetárias e cambiais.

Vinte anos depois da sua libertação do jugo soviético dificilmente as causas deste descalabro podem ser endossadas a Moscovo.
O período pós-soviético foi dominado pela corrupção, mas grande parte da rapina proveniente “esquemas cleptocráticos” não foi parar às mãos das máfias russas mas endossado a banqueiros e investidores ocidentais (especuladores).
Os neoliberais europeus desbravaram o terreno político e económico (sob o pomposo nome de “reformas”) para poderem realizar - sem entraves - chorudos negócios, sob o olhar complacente de Bruxelas (e de Washington)

A Letónia experimenta, nestes difíceis tempos, um descontrolado aumento do desemprego, uma drástica redução do crescimento económico, a total deterioração do que (ainda existia) do Estado Social e, em consequência de tudo isso, uma desenfreada emigração que se traduz numa incoercível sangria demográfica.

Os letões quando olham à sua volta, na vizinha área báltica, vêm os Países Escandinavos que, apesar da crise e de integrarem a mesma União política e económica, progridem.

Onde mora a coesão europeia?

Todavia, a questão fundamental será conhecer como - face a este descalabro - responderá a UE.

Na década de 60 a estratégia revolucionária para a libertação dos povos da colonização e do imperialismo passava por criar “muitos Vietnames”. Agora o poder financeiro (mundial) pretende criar “muitas Grécias”, ou “muitos Portugais” ou…o colapso da zona Euro.

A UE– apesar da entrada em vigor do Tratado de Lisboa - necessita de repensar todo o enquadramento político, económico, social e cultural.

Comentários

Graza disse…
Um post compacto para o muito que se quiz dizer e a ser tomado como referência quando se quizer abordar a questão desta solidariedade na "União" Europeia.
E-Pá:

Excelente reflexão, notável crítica e estimulante desafio.

Um texto bem documentado, de grande ponderação e previsão.
Rui Cascao disse…
Excelente artigo epá.
A Letónia é um caso paradigmático de uma transição que correu mal.
Mas outros países do leste europeu são histórias de sucesso: a Estónia (devido à sua proximidade geográfica e etnolinguística com a Finlândia), a Eslovénia (que tem uma longa história de proteger os seus mercados durante a Jugoslávia), a República Checa (que lembremo-nos, antes da Segunda Guerra Mundial era já o quarto país mais industrializado da Europa, com um PIB per capita equivalente ao da Bélgica).
Mais paradigmático ainda é o caso da Eslováquia, que aquando da sua independência em 1993, foi dada como tendo o potencial para se tornar em Estado falhado, e que conseguiu erguer-se como plataforma logística principal e placa rotativa (hub) das trocas comerciais e industriais da Europa central, com elevadas taxas de crescimento económico, um PIB per capita próximo do nosso, tendo sido o segundo país de leste a aderir ao Euro.
A própria Roménia, que poucos acreditaram ter a capacidade de enfrentar os desafios da adesão, tem crescido sustentavelmente, atingindo a sua economia uma performance sem paralelo na sua história.
Outros países de leste, como a Sérvia ou a Albânia crescem economicamente, modernizando as suas infraestruturas e melhorando a qualidade de vida das suas populações.
Eu não seria tão pessimista relativamente a todo o leste da Europa.
e-pá! disse…
Caro Rui Cascão:

Muitos dos exemplos que refere - relativos a Países de Leste - conseguiram desenvolver-se porque se tornaram meros protectorados de potências ocidentais. Principalmente da Alemanha.
Não foi?
Rui Cascao disse…
Caro epá:

Não obrigatoriamente. Por um lado, a Alemanha não é a única potência económica a investir nos países de Leste (cujas empresas são aliás pouco aptas a negociar "custos de transacção" no acesso a mercados menos transparentes): os mercados dos países Bálticos contam com uma fortíssima presença de capitais escandinavos. Na Roménia a presença mais significativa é de capitais franceses e turcos. O Montenegro está praticamente colonizado por capitais russos. Os mercados da Sérvia, Croácia, Bósnia e Macedónia estão divididos, para além de empresários locais, entre capitais eslovenos, austríacos, húngaros, gregos e turcos.

E pelo menos num caso- o da Eslovénia- não só conseguiu proteger o seu mercado, como investe significativamente em mercados estrangeiros.

Infelizmente, o que sucedeu em muitos países de leste foi a quase total ausência de capital privado interno para adquirir empresas que foram privatizadas muito rapidamente. Os únicos países em que os principais grupos económicos e financeiros se mantiveram em mãos nacionais foram a Eslovénia (onde graças ao modelo económico misto criado por Kardelj durante o titismo existia abundante capital privado) e a Rússia (onde se atribuiu gratuitamente a propriedade dos meios de produção a quem se encontrava na sua direcção efectiva, permitindo-se assim a emergência dos "oligarcas", que presentemente vão adquirindo grandes empresas e bancos por toda a Europa.

E por outro lado, assiste-se também a uma "colonização" económica e financeira ao revés: aquisição de grandes empresas e bancos da Europa ocidental por capitais de Leste (principalmente russos) e de países em vias de desenvolvimento (capitais indianos, árabes, brasileiros).

Concluindo, como dizia sabiamente Lenine, o capital é apátrida. No entanto, é importante ele estar lá onde é necessário.

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