A legitimidade do ateísmo


Há quem chame relativismo moral ao pluralismo ético das democracias. Hereges e apóstatas, que as religiões gostariam de submeter à pena capital, não passam de livres-pensadores, os primeiros, e limitam-se os últimos a exercer um direito de cidadania.

Claro que um Estado ateu é potencialmente tão perigoso como os confessionais. Entre o fascismo islâmico da Arábia Saudita ou o ateísmo soviético estalinista não há grandes diferenças. Por isso deve o Estado ser rigorosamente neutro, para permitir o legítimo direito à crença, à descrença e à anti-crença. A laicidade é condição sine qua non para qualquer democracia.

Se as religiões podem usar o espaço público para manifestações de fé não se vê razão para impedir ou dificultar igual tratamento aos simpatizantes de qualquer corrente filosófica ou opção ideológica não violenta.

A xenofobia, o racismo e a misoginia estão na origem do ódio sectário que ainda dilacera a humanidade e são taras que a civilização vai erradicando à medida que refreia o proselitismo que é o paradigma de todos os monoteísmos.

«Provavelmente Deus não existe. Então pare de se preocupar e desfrute a vida». Com este sábio conselho às pessoas aterrorizadas pelo Inferno, as associações ateístas têm atraído o ódio dos clérigos, a indignação dos crentes e a censura dos moralistas.

É tão legítimo integrar uma procissão em honra de um santo ou rezar novenas para implorar chuva como integrar um movimento ateísta. Difícil é compreender que uma peregrinação religiosa se realize «contra o ateísmo» em vez de a favor da fé, como aconteceu na peregrinação a Fátima, em 13 de Maio de 2008, presidida pelo cardeal Saraiva Martins.

Surpreende que a frase que sustenta a campanha que teve como mentor o notável biólogo Richard Dawkins tenha provocado tanto azedume e vocação censória. Ou a fé é débil ou forte a simpatia pelos autos de fé.

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) tem como objectivos:

1. Fazer conhecer o ateísmo como mundividência ética, filosófica e socialmente válida;

2. A representação dos legítimos interesses dos ateus, agnósticos e outras pessoas sem religião no exercício da cidadania democrática;

3. A promoção e a defesa da laicidade do Estado e da igualdade de todos os cidadãos independentemente da sua crença ou ausência de crença no sobrenatural;

4. A despreconceitualização do ateísmo na legislação e nos órgãos de comunicação social;

5. Responder às manifestações religiosas e pseudo-científicas com uma abordagem científica, racionalista e humanista.

Não parece vir daqui mal ao mundo. Quando me dizem que não há necessidade de uma associação com estes objectivos vem-me à memória o conselho da avó que me estremecia: «Filho, não te metas em política».

Ponte Europa / SORUMBÁTICO

Comentários

Anónimo disse…
Prefiro 1 estado ateu do que teocrático!!! O estado ateu não é necessariamente anti-democrático...
Esse clichê da URSS é criação da mídia pró-igreja pra nos meter medo....
Se for assim... eu poderia usar o clichê da Falange ou Ustasha pra desmerecer governo "amém"....
Anónimo disse…
A ICAR já entrou em campanha eleitoral, mesmo antes dos partidos, à semelhança do que aconteceu em Espanha, o que não me surpreende e já estava mesmo à espera disto:

Religião: Bispos dizem que “não é fiável” quem propõe casamentos gay
Igreja apela a não votar PS

http://www.correiodamanha.pt/Noticia.aspx?channelid=00000009-0000-0000-0000-000000000009&contentid=E1AB5DF2-69F7-42E5-965A-C207C2107980

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