Entropa


Causou alguma celeuma a montagem artística de David Černý, encomendada pelo governo da República Checa, por ocasião da sua presidência do Conselho da UE.

O humor checo é frequentemente negro e difícil de entender. Veja-se por exemplo nos "Testamentos Traídos" de Milan Kundera a sua demonstração de que Kafka foi o maior humorista checo de sempre.

A montagem, aproveitando vários clichés ou caricaturando algumas atitudes reaccionárias e egoístas de alguns estados membros, tem alguns elementos geniais e alguns de gosto duvidoso e outros simplesmente mornos.

É genial a caracterização da Bélgica como uma caixa meio vazia de chocolates meio comidos (a divisão ou desunião da bélgica), da Polónia com os padres da ICAR a içarem uma bandeira gay, da Lituânia com pessoas a urinar contra a Rússia (caricatura do apartheid exercido pelos lituanos e outros bálticos contra as minorias russas), da Holanda afundada debaixo do mar só com os minaretes das mesquitas à tona (caricatura da onda anti-islamista que assolou o país na onda de Pim Fortuyn), das centrais nucleares na Áustria (uma alusão à chantagem e ameaça de veto da entrada da Rep. Checa na UE por causa da construção da nova central nuclear de Temelin), a ausência deliberada do Reino Unido, ou ainda do Luxemburgo como uma pepita de ouro com uma etiqueta a dizer "vende-se".

É morna a caricatura da França como em greve, da Suécia com uma caixa de móveis para montar da IKEA, da Grécia como país em cinzas ou da Roménia como parque temático do Drácula.

E são verdadeiramente ofensivas a caracterização da Bulgária como latrina turca, dos Italianos como futebolistas masturbadores e da Alemanha representada por autoestradas em formato idêntico ao de uma cruz suástica.

No entanto, descontados os elementos de manifesto mau gosto, a montagem dá que pensar. Por um lado por demonstrar a aberração que é a actual identidade europeia (ou ausência dela) em que cada qual rema numa direcção diferente, e os pequenos actos mesquinhos que alguns países membros praticam uns contra os outros. Por outro lado, por demonstrar quão pouco os europeus se conhecem uns aos outros, começando o próprio autor por demonstrar a sua ignorância relativamente aos outros países.

Se eu fosse Černý, teria colocado um cano roto em França (à espera do canalizador polaco), a República Checa preenchida com canecas de cerveja, a Alemanha a lançar dinheiro em todas as direcções, a Itália vestida de bota a chutar imigrantes ilegais para fora, a Espanha a derrubar estátuas de Franco, etc.

Quanto a Portugal, Černý não conseguiu imaginar nada melhor do que bifes em forma de Brasil, Angola e Moçambique... devia ter colocado um homem forte, de bigode, palito ao canto da boca e a ler o jornal "A Bola".

Comentários

e-pá! disse…
Excelente post que nos coloca sob a visão de uma cultura oriunda da Europa Central, que dominou a Europa políticamente, seja pela magnificiência Império Austro-Hungaro, seja mais a Norte pela multiplicidade e força da presença prussiana (báltica, polaca, alemã,...) e o apanhar do comboio do desenvolvimento económico no período industrilizal.
Esta Europa Central que nasceu e cresceu sob os escombros da derrocada mediterrânica, captou a sua cultura ancestral (helénica, romana...) e depois toda a sua riqueza, essencialmente baseada no comércio, foram apelidadsos de "bárbaros"... que, no século XX, e na sequência das duas Grandes Guerras, acabaram como "excluídos".

O Ocidente - aquele que está muito a Este - política e militarmente próximo e dependente do outro lado do Atlântico, saí vitorioso dessas Grandes Guerras.
Primeiro, militarmente e, logo depois, economicamente, criando e impondo o imperialismo.
Isto é, a sujeição da Europa saxónica, celta e teutónica e, finalmente - depois de interregnos das revoluções no Leste na deriva russa - aos novos donos do Mundo - os EUA.

Hoje, essa concepção do Mundo - apesar do manacial de esperança da era Obama que se aproxima - está em contraciclo, ou em irreversível viragem para Oriente...

Pelo qua a visão de David Černý não é tão despropositada, nem errática ou sequer inculta.
É a desordem própria da entropia...
andrepereira disse…
só falta perguntar onde é que esse homem português tinha os olhos espetados? No jornal? Não! Eu diria nas curvas de uma loira nórdica, de mocilha às costas e vestidinho curto...
O humor do post rivaliza com o do artista checo.

Brilhante!

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