Saramago: entre a crítica e a xenofobia

José Saramago já mereceu grande admiração da minha parte. Já o considerei o melhor escritor português da actualidade, já reflecti muito com os seus ensinamentos.
Não esqueço isso, nem apago esse precioso passado.

Ainda noutro dia tive o prazer sofrido de ver "O ensaios sobre a cegueira" de Fernando Meirelles, tão bom como o livro, que em devido tempo também apreciei.

Mas Saramago está cego na sua verborreia crítica contra Israel.
O seu ateísmo feroz fá-lo atacar a essência de um povo, de uma religião.

Não condeno nem as suas críticas ao Governo de Israel, nem o seu ateísmo. Quiçá até partilhe muito das suas opiniões.
Mas não compreendo que se escreva com a agressividade e com a parcialidade com que o faz Saramago neste texto sobre Gaza.

Em alguns países europeus estas afirmações roçariam o crime, porventura também em Portugal.

Mas as Canárias já estão muito próximas de Marrocos, terra de onde fugiram muitos judeus em busca de uma terra de paz em Israel...

Comentários

e-pá! disse…
Caro André Pereira:

O texto de Saramago não me choca, particularmente.
Não o escrevia da mesma maneira quanto à forma (nem tenho competência para tal!), mas subscrevo o seu conteúdo.
Se tivermos em linha de conta as reacções que o escritor vem manifestando quanto ao conflito israelo-palestino, elas têm-se mantido sensivelmente dentro da mesma bitola.
Não há sinais de um radicalismo crescente que a provecta idade poderia justificar. Os "velhos" desinibem-se e dizem o que sentem e o que pensam...
Muito menos considero que haja no citado documento quaisquer afirmações passíveis de serem consideradas "crime" (!!!).
Por vezes esquecemos Direitos Fundamentais.
Tomo a liberdade de lhe recordar um - que com certeza conhece, mas não tomou em consideração:
Artigo XIX, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Paris, 1948.
"Todos os homens tem direito a liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informacões e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras."

A indignação de Saramago com a desporporcionalidade das forças em presença, já o levou mais longe.

Recordo-lhe a entrevista que concedeu à BBC em plena Palestina, salvo erro em Março de 2002 (Arafat estava cercado e confinado em Ramallah...

"...
BBC — O que pode ter este conflito palestino-israelense de particular?

Saramago — Vamos ver: Isto não é um conflito. Poderíamos chamá-lo conflito se se tratasse de dois países, com uma fronteira e dois estados, com um exército cada um. Aqui trata-se de uma coisa completamente distinta: Apartheid. Ruptura da estrutura social palestina pela impossibilidade de comunicação.

BBC — Que pensa de Israel?

Saramago — Um sentimento de impunidade caracteriza hoje o povo israelense e o seu exército. Eles converteram-se em financiadores do holocausto. Com todo o respeito pela gente assassinada, torturada e sufocada nas câmaras de gás. Os judeus que foram sacrificados nas câmaras de gás quiçá se envergonhariam se tivéssemos tempo de dizer-lhes como estão se comportando seus descendentes. Porque eu pensei que isto era possível; que um povo que tem sofrido deveria haver aprendido de seu próprio sofrimento. O que estão fazendo com os palestinos aqui é no mesmo espírito do que sofreram antes.

Eu creio que eles não conhecem a realidade. Todos os artigos que apareceram contra mim têm sido escritos por pessoas que não foram nunca saber como vivem os palestinos, quer dizer, eles não querem saber o que está passando aqui. Sería lógico que estivessem aqui os capacetes azuis (soldados da ONU). Mas o governo israelense não o permite. O que me indigna, e não posso calar-me, é a covardia da comunidade internacional que se deixa calar. Nem sequer falo dos Estados Unidos, do lobby judeu, de tudo isso que é mais que conhecido.
Falo da União Européia. Europa, o berço da arte, da grande literatura, tudo isso. E todos assistindo a isto, a este desastre, e ninguém intervém.

BBC — Parece-lhe pertinente a analogia entre o sofrimento dos palestinos hoje, e o sofrimento dos judeus que teve lugar durante o regime nazista e em particular nos campos de concentração?

Saramago — Isso de Auschwitz foi, evidentemente, uma comparação a propósito. Um protesto formulado em termos habituais, quiçá não provocasse a reação que tem provocado. Claro que não há câmaras de gás para exterminar palestinos, mas a situação na qual se encontra o povo palestino é uma situação concentracionária: Ninguém pode sair de seus povoados.

Eu o disse e dito está. Mas, se a vocês incomoda muito isso de Auschwitz, eu posso substituir essa palavra, e em lugar de dizer Auschwitz digo crimes contra a humanidade. Não é uma questão de mais vítimas ou menos vítimas; não é uma questão de mais trágico ou menos trágico: É o fato em si. Isto que está acontecendo em Israel contra os palestinos é um crime contra a humanidade. Os palestinos são vítimas de crimes contra a humanidade cometidos pelo governo de Israel com o aplauso de seu povo."
...


Caro André: Mais contundente, não acha?
Também, mais explícito.
andrepereira disse…
Sem dúvida, mais contundente, mais explícito e mais errado.
Saramago, como tantos outros, quer confundir o holocausto com uma situação de guerra, mesmo que injusta.
É por estes exageros que a causa palestiniana não ganha os apoios que mereceria. É porque uma certa Europa pensante entra pelo anti-semitismo mais primário e pelo implícito não reconhecimento do Estado de Israel que a Europa continua impotente neste conflito.
Não é com textos destes ou com declarações grosseiras como esta que podemos ajudar o povo palestiniano que sofre.
Só afastando-nos de todo o radicalismo, do Hamas, em primeiro lugar, e dos excessos de força do Governo de Israel é que podemos manter a serenidade e discutir o assunto com a razão.
Saramago neste particular apenas tem contribuído para o ruído.
«José Saramago já mereceu grande admiração da minha parte. Já o considerei o melhor escritor português da actualidade, já reflecti muito com os seus ensinamentos.
Não esqueço isso, nem apago esse precioso passado.»

Caro André:

1 - Saramago não deixou de ser o mais brilhante ficcionista português dos últimos cem anos;

2 - Não há ateísmo feroz, ferozes são o sionismo e a demência fascista do Islão;

3 - Não partilho o anti-semitismo do Novo Testamento e da cópia grosseira que dá pelo nome de Corão.
Vítor Ramalho disse…
Saramago escreve a verdade, coisa que vai sendo rara nos dias de hoje. Não vejo nenhum anti-semitismo mas sim anti sionismo, mas claro lançando a confusão dá mais jeito para criticar.
e-pá! disse…
Caro André Pereira:

A Europa "pensante" pode não compreender o que se passa na Faixa de Gaza, como pode continuar a não querer diferenciar anti-semitismo de anti-sionismo;

A Europa política, por outro lado, sabe que com a sua inércia destruiu toda a cooperação euro-mediterrânica, essencial para a Paz na região;

A Europa dos Cidadãos, assiste impávida a um "banho de sangue inútil", como se lê hoje no editorial do Le Monde link, num território superpovoado, onde é impossível poupar objectivos não militares (idosos, mulheres, crianças, hospitais, escolas, etc.).
Estas atrocidades não podem ser escondidas com a proibição da presença de jornalistas no teatro de guerra, pelo simples facto de serem inevitáveis.

Finalmente, esperemos que este dantesco ataque a Gaza não seja motivado por questões eleitorais, a realizar daqui a 7 semanas, e cujos resultados não parecem ser favoráveis à actual coligação no Poder.
Porque se assim for, o motivo será - caso isso seja possível - mais indigno e fútil, neste caso, verdadeiramente criminoso.
Isto, independentemente de quem disparou o 1º. rocket...
E-Pá:

Lamentavelmente a Europa desapareceu da cena internacional e ninguém sabe o que pensa.

Resta saber se pensa o mesmo que Bush ou se tem matizes diferentes.
andrepereira disse…
CE: há ateísmo feroz, sim senhor!

O ateísmo não é anti-semita por definição; claro que não!

Os cristãos e os muçulmanos já causaram mais danos aos judeus que os ateus? Penso que sim. Hitler não era conhecido por ser ateu.
e-pá! disse…
Caro André:

O ateísmo tem dificuldades em tornar-se "feroz" porque, por definição, não colhe no seu seio atitudes prosélitas.
Não sofre desse mal - que afecta todas as religiões - chamado proselitismo.

Agora, um ateu pode ser anti-sionista e muitos o serão.
Mas isso é outro caminho, completamente estranho à condição de ateu.

Por outro lado, não podemos esquecer que existem judeus fanáticos (p. exº: os que assassinaram Itshak Rabin) tão, ou mais, fundamentalistas do que os islãmicos.

Essa a dificuldade da política em Israel. As demonstrações de força (por vezes desmedida) integram a política governativa.

A Direita israelita - qualquer que seja - tem a imperiosa necessidade de mostrar aos seus seguidores, que não teme os islâmicos e as suas organizações políticas ou militares. E quando se lembra disso, aparecem as incursões em Gaza, na Cisjordania (aqui agora menos...), no Libano, etc.
Ah! faltava-me referir o essencial: as demonstrações acarretam sempre mortos!

Aliás, penso que os palestinos quando ouvem no Knesset a extrema-direita fundamentalista, sempre religiosa, como o Ihud Leumi (União Nacional), o Mafdal (Partido Nacional Religioso) e o Heirut (Liberdade), ameaçar a estabilidade das coligações onde se metem ou são indigitados, descem para os subterrâneos, ou evacuam as casas, ficando à espera de um ataque terrestre ou aéreo.

Um pouco como a situação que os europeus glosam:
Quando "alguém" espirra em Paris, chove em Bruxelas...
Saramago, independentemente de ser ou não um grande escritor (na minha modesta opinião não é tão grande como isso)continua com todos os tics, preconceitos e sofismas de membro do PC. Para ele, Jeová é um deus iníquo - o que talvez seja verdade- mas esquece-se de que Alá é cem vezes pior!
Infelizmente, a faixa de Gaza é um valhacouto de terrroristas que se servem da desgraçada população civil como de um escudo humano. O Hamas não é nada mais que uma organização terrorista, com a qual se revela impossivel qualquer diálogo.
andrepereira disse…
Caro E-pá:
Penso que há ateísmo proselitista! Até já houve Estados ateus e que proibiram e baniram qualquer culto religioso, que não o culto da personalidade dos seus líderes.
O Ponte Europa até noticiou que no Reino Unido, o Prof. Dawkins inicou uma campanha para divulgar as suas ideias ateístas.
Não estou seguro que o ateísmo esteja imune a erros ou que seja uma postura meramente interior sem desejo de projecção exterior.
Pode ser uma postura de consciência mais sã ou mais correcta que a postura de um crente, mas isso é outra questão...
andrepereira disse…
Qual a relação entre esta frase de Saramago:

“Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente actualizado.” José Saramago (in http://caderno.josesaramago.org/2008/12/22/gaza/)

E este tipo legal de crime?

Artigo 240.º Discriminação racial, religiosa ou sexual 2 — Quem, em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social ou sistema informático destinado à divulgação: b) Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo ou orientação sexual, nomeadamente através da negação de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade; ou com a intenção de incitar à discriminação racial, religiosa ou sexual, ou de a encorajar, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.


Os limites da liberdade de expressão quando relacionada com o incitamento ou o encorajamento da discriminação racial ou religiosa são muito difíceis de traçar. Não me parece que Saramago venha a ser processado. Mas que anda perto do preenchimento do tipo legal de crime, isso parece-me claro: ele generaliza “israelitas”; ele refere-se directamente à religião ou mesmo ao deus dos judeus, apelidando-o de rancoroso e feroz e faz recair sobre “os israelitas”, em geral, essa mesma condição.
Goebbels não criaria propaganda diferente para se referir aos “Juden”!
“Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente actualizado.” José Saramago (in http://caderno.josesaramago.org/2008/12/22/gaza/)

Caro André:

Há pouco tempo, Frei Bento Domingues num frente-a-frente no RCP pediu-me para não referir o Antigo Testamento.

Jeová, Alá ou Deus são a cópia desse troglodita cruel, vingativo, racista, xenófobo e homofóbico que os homens inventaram na Idade do Bronze e que povoa um livro detestável que dá pelo nome de A. T..
andrepereira disse…
Esse deus pode ser isso tudo. Mas o prblema é quando queremos fazer recair sobre um povo ou uma nacionalidade essas mesmas características, em termos genéricos e globais, a ponto de incitar ou encorajar ao desprezo por esse povo ou nacäo.
Que se despreze esse deus, é legítimo e bom, como Jesus Cristo, aliás, ensinou...! Mas näo devemos é aticar a ira contra um povo ou um grupo de pessoas.
Podemos desprezar Alá e Maomé, mas näo devemos incitar ao ódio daqueles ou de todos aqueles que simpatizam com essas figuras bizarras.
Podemos detestar a ideia da inexistencia de deus. Mas näo podemos escrever textos a incitar ao ódio ou à discriminacäo dos ateus. É nesse difícil fronteira que está o problema...
Os cartoons de mahomé säo legítimos e em boa hora o Ponte Europa os publicou, mas näo seria legítimo incitar ao ódio ou aticar a desconsideracäo de todos os que prezam essa figura...

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