Espaço dos Leitores

e-pá! disse...

Caro Rui Cascão:

Não partilho da sua complacência em relação à Directiva Bolkenstein.
Em primeiro lugar defendo para a Europa várias vertentes - uma delas e quiçá não menos importante - a "Europa Social".
A directiva, sejamos directos, propõe o nivelamento por baixo desses "direitos sociais".
Sem uma prévia concertação desses direitos entre todos os países membros da UE, essa directiva, vai ferir direitos dos trabalhadores, utilizadores e consumidores.
Não concebo os serviços como simples mercadorias. Os serviços têm um pesado componente humano incorporado.
Portanto, repugna-me a concepção que seja o mercado (per si) a regular os serviços. O que iriamos observar era a vinda de trabalhadores onde a regulamentação do trabalho ou não existe, ou é embrionária.
Um pouco o que se observa em termos de regulamentação social e de trabalho entre a Europa e, p. exº., a China.
Só que estas questões seriam vividas dentro da própria Europa. Isto não me parece ser competitividade.
Se houve uma regulamentação para o dinheiro (o espaço euro), em meu entender deverá também haver uma harmonização social.
Caso contrário a Europa servirá prioritáriamente os ricos. E, como corrolário subeijamente conhecido, os pobres ficarão mais pobres.
Não consigo "dourar" a pílula. Para mim, a directiva Bolkenstein, fundamenta-se na doutrina política neo-liberal. Mais, viola os tratados de Roma I e II.
E remato com uma outra grande preocupação. O que sucederia aos serviços públicos? Iam nesta avalanche de mercado? A valorização profissional dos trabalhadores ficaria também entregue ao mercado?

Acho a integração europeia de Portugal uma inevitabilidade (social,económica, cultural, ...) e o nosso destino histórico.
Mas como português e europeu se fosse chamado a pronunciar-me sobre um documento que integrasse as concepções da directiva Bolkenstein, votava CONTRA!

Por outro lado, devo reconhecer, há muitas coisas que estou de acordo no seu post.
Considero que dirimir divergências faz caminhar a Europa.

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Adenda minha:

A minha opinião é que a livre circulação dos factores trabalho, capital e serviços, de acordo com a densa regulamentação da UE (que se deseja eficiente) favorece a prosperidade de uma óptica distributiva, e que a existência de barreiras jurídicas ou de facto é um entrave a essa prosperidade.

Passo a explicar:

Quem é favorecido pela livre circulação de trabalhadores? Por um lado, os países ricos, que contam com um mais vasto mercado de trabalho do lado da procura (o exército industrial de reserva). Pelo outro lado os países menos ricos, que beneficiam em termos de prosperidade (os seus cidadãos têm a possibilidade de procurar melhores perspectivas num país estrangeiro, depositando e investindo parte dos seus rendimentos no país natal. Esses países podem ainda atrair quadros qualificados que podem ser extremamente úteis para economias de transição. Fialmente, ganha a economia em termos de eficiência.

Quem é favorecido pela livre circulação de mercadorias? Aqui também tendem a ganhar todos (em termos agregados), os mais pobres porque conseguem colocar os seus produtos mais baratos nos mercados dos países ricos, e estes últimos porque os seus consumidores podem obter esses produtos por menor custo. Obviamente, em ambos os grupos de países há perdas sectoriais, principalmente nos sectores industriais mais obsoletos. Claro que aqui há muitas ineficiências e distorções (falhas de mercado), principalmente pela ingerência de mediadas proteccionistas públicas, como é nomeadamente o caso da Política Agrícola Comum, que age em benefício de apenas alguns países (a França, o Reino Unido, a Áustria, a Itália, curiosamente dos mais ricos).

Quem é favorecido pela livre circulação de capitais? Aqui a fatia de leão cabe aos países investidores, geralmente os mais ricos. Com os processos de privatização maciça nos países de leste como consequência da transição, em muitos casos quase toda a economia ficou em mãos estrangeiras (há excepções, como a Eslóvenia, mas essa tinha já uma economia quase capitalista, e o investimento interno consegiu manter a fatia de leão da economia em mãos nacionais). Obviamente que houve ganhos dos países mais descapitalizados, uma vez que o investimento estrangeiro supriu a ausência de investimento interno, permitindo a requalificação da economia, e prevenindo, no longo prazo, desemprego generalizado, como sucedeu aos países que iniciaram mais tarde a sua transição e que perderam o primeiro comboio do investimento estrangeiro (Roménia, Bulgária, Ucrânia). Claro que aqui é óbvio que a fatia de leão coube aos mais ricos. Mas preveniu-se a miséria generalizada na maior parte dos estados de leste.

Quem é favorecido pela livre circulação de serviços? Aqui é claro: os mais aptos. Aqueles que conseguirem oferecer a melhor relação custo-benefício ou preço-qualidade. Há basicamente dois tipos de países que podem beneficiar. Por um lado, países ricos com uma economia aberta e oferta de serviços eficientes e de excelência. Países como a Irlanda, a Holanda, a Bélgica ou o Luxemburgo. Pelo outro lado, economias de transição com uma economia aberta recursos humanos bem qualificados, menor custo do factor trabalho e, de preferência, posição geográfica privilegiada. Por exemplo países como a Rep. Checa, a Eslováquia, a Eslovénia ou a Estónia, que se transformaram em plataformas logísticas razoavelmente prósperas. Nestes casos, a livre circulação de serviço contribui para a prosperidade, na óptica distributiva. Aliás, em muitos destes países, a protecção social dos trabalhadores é mais elevada do que, por exemplo, na Irlanda ou no Reino Unido.

Claro que concordo com E-pá, na medida em que não se pode deixar a mão invisível tomar conta de tudo: a economia tem que ser regulada, as falhas de mercado eliminadas, os monopólios, cartéis e posições dominantes dominados.

Comentários

Anónimo disse…
As postas podiam ser um bocadinho mais longas, que ficam muito mais atractivas!!!
E a citação do comentador, a preto, está um verdadeiro "must" de legibilidade...
e-pá! disse…
Caro Rui Cascão:

Continuo reticente com as amplas "livres circulações", que evoca repetidamente, sem que tenham sido, antecipadamente sido obtidas - no seio da UE - harmonizações (o seu âmbito poderá ser problemático) no campo social e, nomeadamente, na área do trabalho (desemprego incluído).

De resto, sem esse esforço de concertação e aproximação na vasta área social e económica, a Europa caminhará a "várias velocidades", sem coesão social e sem convergência económica.
Para mim, esta é a Europa Liberal, onde temos vivido e as consequências são conhecidas: cada ano que passa mais distante estamos das medianas europeias.

Como é visível, esta, não é a minha concepção da União Europeia.

NOTA - Tal como o anónimo anterior tive dificuldades visuais em reler o comentário que tinha escrito, por falta de contrastre (preto sobre verde escuro).

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